Mesmo os homens mais sábios da Antigüidade defendiam a teoria de que a Terra era imóvel e de que o Sol girava ao nosso redor. Não podemos criticá-los; afinal, todos os dias eles o viam nascer no mesmo lugar, passar por sobre suas cabeças e desaparecer, à noitinha, no lado oposto do céu. Decorreram milênios até que Copérnico e Galileu, no séc. XVI, entendessem a verdadeira estrutura do sistema solar.
No entanto, aquelas crenças antigas deixaram sua marca nos vocábulos que usamos até hoje para referir nossa posição no planeta. A palavra Ocidente, que usamos para indicar o Oeste, o lado onde o Sol se põe, vem da expressão latina sol occidens — literalmente, “sol que tomba”, derivado de occidere, “tombar, derrubar”. Na direção oposta fica o Oriente, o Leste, o lugar onde nasce o Sol, de sol oriens, “sol nascente”, de oriri, “erguer-se, nascer” — irmão, portanto, de origem e aborto (“que não nasceu”). Nas igrejas e catedrais cristãs, sempre que possível, procurou-se manter o princípio de voltar a porta do edifício para o lado do poente, o que faz com que os fiéis, voltados para o altar, dirijam suas preces em direção ao nascente — e foi essa preocupação em direcionar o templo para o Oriente que produziu a idéia de orientar e orientação.
meridional — Que fica no Sul, sinônimo de “sulino”. Vem do latim meridies, “meio-dia”, porque na metade do dia, no Hemisfério Norte, o Sol está ao sul do observador. Em francês, até hoje, midi significa tanto “meio-dia”, como “sul”. O vocábulo latino aparece nas expressões ante meridiem e post meridiem (“antes” e “depois do meio-dia”), usadas pelos EUA na indicação de horário, hoje tornadas universais pelos relógios digitais, na forma das abreviações AM e PM, respectivamente.
setentrional — Vem de setentrião, o nome usado antigamente para designar as regiões que ficam no Norte do planeta. O termo vem do latim septentriones (literalmente “os sete bois de arado”), um dos nomes dados pelos romanos à constelação da Ursa Maior, a qual, com suas sete estrelas principais que giram em torno da Estrela Polar, lembrava um conjunto de bois arando uma extensão de campo.
trópico — Os trópicos são os dois círculos menores da esfera celeste, paralelos ao equador, que assinalam o ponto máximo a que o Sol chega, tanto ao Norte quanto ao Sul. Os astrônomos gregos e romanos acreditavam que era dali que o Sol começava a “voltar” em direção ao equador, denominando-os de tropicus, derivado do grego trope, “volta, reviravolta”. A mesma idéia se encontra em heliotrópio, denominação erudita do popular girassol, por que esta flor costuma girar para acompanhar a trajetória do Sol (helios, em grego).
equador — O círculo máximo da esfera terrestre, cuja linha imaginária divide a Terra em dois hemisférios, tira seu nome do latim aequator (derivado de aequare, “tornar igual”; pronuncia-se /ecuátor/); é irmão, portanto, de equalizador, equação e equilíbrio. O termo fazia parte da expressão [circulus] equator [diei et noctis], isto é, “círculo igualizador do dia e da noite”, referente ao fato de que, nessa latitude, o dia e a noite têm duração quase idêntica.
boreal — Que fica no extremo setentrional. Para os gregos, um dos quatro ventos divinos era Bóreas, que vinha do Norte, trazendo o frio do inverno no seu sopro gelado. Os mitos antigos falam da terra dos hiperbóreos (“muito além do Norte”), um fantástico continente fértil e verdejante que ficaria situado além das neves do Ártico. O nome de Bóreas está presente também em outros vocábulos ligados à meteorologia: borrasca, do italiano burrasca, “temporal trazido pelo vento Norte”, e aurora boreal, ou “luzes do Norte”, o belíssimo fenômeno luminoso que pode ser observado nas proximidades do Pólo Norte.
austral — É o oposto de boreal. Os romanos chamavam de auster o vento quente e seco que sopra do Sul, nome derivado do grego austeros, “seco, quente, áspero”. Os cartógrafos renascentistas admitiam a existência de terras inexploradas no Hemisfério Sul, além da América e da África, registrando em seus mapas a expressão latina Terra Australis Incognita (“terra desconhecida ao Sul). Por isso, quando Matthew Flinders, o explorador inglês, relatou a descoberta das novas terras que hoje formam a Oceania, nada mais lógico que as batizasse de Austrália (literalmente, “terra do Sul”).
ártico — Vem do grego arktos, “urso”, não por causa do urso polar, como pensam alguns, mas pelo mito grego da ninfa Calisto. Seduzida por Zeus, o rei dos deuses, a pobre ninfa foi punida por Artêmis, a deusa da caça, que a transformou numa ursa. Anos mais tarde, numa caçada, o filho de Calisto, que desconhecia o destino da mãe, preparava-se para abater o animal, quando Zeus, inconformado com a injustiça, transformou os dois nas constelações das Ursas, sempre visíveis no Hemisfério Norte, em direção ao Pólo.
antártica — A Antártica, o continente gelado do Sul, foi convenientemente batizada como “oposta ao Ártico” (anti + ártico). Esta é a forma universalmente adotada, e também a preferível em nosso idioma; a variante Antártida, bastante usada nos países de língua espanhola, nasce de uma evidente interferência do nome Atlântida. Aos que alegam que Antártica é a cerveja, e não o continente, lembro que ela recebeu esse nome exatamente para associá-la ao frio do Pólo Sul, com direito, inclusive, aos pingüins que figuram no rótulo (leia mais em Antártica ou Antártida).
Depois do Acordo: antigüidade > antiguidade
idéia > ideia
pólo > polo