Caríssimo Professor: certamente Eça de Queirós não teria errado e, se o tivesse, poderia virar escola [muito bem observado, Tales!]. Mas me perturba “Os Maias“. Devem-se pluralizar sobrenomes e marcas? Não seria mas adequado, não obstante menos sonoro, falar “Os Maia“? Certamente é este o sobrenome de família. Ou ainda, “os Volkswagen produzidos em 1968″ e assim por diante. Por exemplo, não parece soar tão mal “os Sousa“, ao me referir aos meus parentes. Ademais, sem conhecer a obra de Eça, poderia pensar estar a série se referindo ao povo Maia, aquele que a gente estuda junto com os Incas e os Astecas.
Tales S. — São Paulo
Professor, gostaria de saber se nome próprio tem plural. Qual o correto? “Os Maias” ou “Os Maia“? “Nós, os Oliveira e Silva, somos donos de muitas terras” — ou seria “Oliveiras e Silvas“?
Soraya M. – São Paulo
Prezados amigos: apesar de quase todo o mundo pensar o contrário, os antropônimos — nomes próprios de pessoa – também podem ser usados no plural. Com que finalidade? Bem, podemos estar falando de várias pessoas com o mesmo prenome: as Marias, os Joões, os Pedros, os Albertos. Podemos estar distinguindo diferentes aspectos de uma mesma pessoa: “Nossos manuais de História da Literatura reconhecem, no mínimo, dois Machados: o da fase romântica e o da fase realista”. Podemos estar falando de obras artísticas (quadros, esculturas, etc.), usando o nome de seu autor: “Naquele museu, há três Picassos e dois Matisses“. Podemos estar designando várias pessoas com o mesmo sobrenome, sejam ou não da mesma família: “Na Semana de Arte Moderna, os Andrades, Mário e Oswald … ” ; “O poema fala dos Albuquerques“; Camões se refere, em Os Lusíadas, aos “temidos Almeidas“. Em várias cidades do Brasil temos uma Rua dos Andradas, em homenagem a José Bonifácio e seus irmãos. Como podem ver, levamos nomes próprios para o plural desde que o Português começou a ser escrito. Os gramáticos – tanto os tradicionais, quanto os modernos, de Carneiro Leão a Celso Luft, passando por Rocha Lima, Evanildo Bechara e o próprio Napoleão — registram e endossam essa prática, adotada também por Eça de Queirós ao batizar seu romance de Os Maias.
Falei da tradição; hoje, no entanto, embora continuemos a pluralizar os prenomes (“Na minha turma existem quatro Maurícios“; “Nas piadas de português, só há Joaquins e Manuéis“), é inegável que a tendência atual é deixar o sobrenome no singular: os Figueiredo, os Cavalcânti. Enquanto Machado falava nos “irmãos Albuquerques” (Dom Casmurro) e Eça falava no “baile das Senhoras Macedos” (A Relíquia), Carlos Drummond já prefere referir-se aos Mendonça (Contos de Aprendiz). Na literatura, nascidos no Rio Grande do Sul, Érico e seu filho Luís Fernando são os Veríssimo. Nosso mundo cinematográfico fala do clã dos Barreto, enquanto os irmãos Gracie vão alegremente distribuindo pernadas pelo mundo afora. Não me espanta, portanto, que haja leitores que já começam a estranhar o plural de “Os Maias“.
Quanto à outra pergunta da leitora Soraya, sobre o plural de Oliveira e Silva, tudo vai depender da posição que adotarmos. Se preferimos seguir a tendência atual de deixar tudo invariável, sobrenomes compostos como este não trazem dificuldade alguma: os Oliveira e Silva, e pronto. Se nosso ouvido, no entanto, pender para o costume tradicional de flexionar os sobrenomes, teremos de distinguir as seguintes construções: (1) em compostos de dois nomes justapostos, usamos plural em ambos (os Costas Limas, os Peixotos Carvalhos); (2) em compostos com preposição, levamos só o primeiro para o plural (os Pereiras da Costa, os Moreiras da Silva); (3) em compostos com conjunção, levamos só o segundo para o plural (os Lima e Silvas). Nesse caso, os Oliveira e Silvas.
Finalmente, devo informar que usar Maia, no singular, não vai impedir a confusão com aquele famoso povo pré-colombiano, meu caro Tales. Quanto mais eu vivo, mais me convenço que uma das forças mais espantosas da natureza é a estupidez humana: um colega meu, da Universidade, foi procurado por uma aluna de Letras que queria saber se ele ia tratar, em suas aulas, “daquela, aquela que escreveu Os Inca [sic] – que ele logo identificou como Eça, que escreveu Os Maias. Dá para ver que a celerada, além de poucas luzes em literatura, deixou há muito de usar o S do plural. Abraço para ambos. Prof. Moreno