Professor, eu só leio a parte esportiva do jornal e não sou a pessoa mais indicada para achar erro nos outros. Confesso, porém, que fiquei cabreiro quando um grande jornal de São Paulo noticiou que ia haver um torneio entre os “seis melhores colocados“. Isso não está errado? A gente não devia falar nos “seis mais bem colocados“?
Dejair F. L. — Sorocaba (SP)
Meu caro Dejair, tua intuição está muito mais afiada que a do jornalista que escreveu essa pérola. Embora seja uma construção inadmissível na língua culta, todo dia aparece na imprensa algo como esse “Seis *melhores colocados” (lembro que o asterisco assinala formas agramaticais). A dupla natureza do vocábulo melhor, no entanto, constitui uma atenuante para este equívoco; como a forma melhor corresponde ora a “mais bom”, ora a “mais bem”, cria-se aqui um daquelas encruzilhadas em que tanta gente boa acaba se perdendo. Vou mostrar.
Primeiro, com o sentido de “mais bom”, melhor é ADJETIVO, com plural e tudo (melhores):
Este filme é [mais bom] que o anterior = Este filme é melhor que o anterior.
Os italianos são bons, mas os brasileiros são [mais bons] = os brasileiros são melhores.
Em segundo lugar, com o sentido de “mais bem”, melhor é ADVÉRBIO (e, como tal, invariável):
Jonas joga bem, mas o irmão joga ainda [mais bem] = o irmão joga ainda melhor.
Na casa nova, eles estão ainda [mais bem] do que estavam= melhor do que estavam
É muito raro um erro de concordância nominal nesses casos. Dificilmente alguém deixaria o adjetivo no singular em “Os italianos são bons, mas os brasileiros são *melhor“, ou tentaria flexionar o advérbio em “Na casa nova, eles estão ainda *melhores do que estavam”. No entanto, é na situação que já descrevi em mais bem e melhor — antes de um particípio — que o perigo nos espreita. Como devemos preencher a lacuna nas frases abaixo? Com melhor ou com melhores?
Ele escolheu as dez cadeiras ……. pintadas.
Agora só vão jogar os quatro …….. colocados.
Que tipo de vocábulo vai entrar nessa estrutura? Será o ADJETIVO melhor [mais bom], que é variável, ou o ADVÉRBIO melhor [mais bem], que é invariável ? A resposta é simples: o ADVÉRBIO.
Ele escolheu as dez cadeiras mais bem pintadas = as dez cadeiras melhor pintadas.
Agora só vão jogar os quatro mais bem colocados = os quatro melhor colocados.
Não há hipótese de imaginarmos, aqui, a presença do ADJETIVO:
Ele levou as dez cadeiras *mais boas pintadas = as dez cadeiras *melhores pintadas.
Agora só jogam os quatro *mais bons colocados = os quatro *melhores colocados.
Na imprensa, estes erros pulam como camarão em terra seca. Um bom jornalista, contudo, deveria ser capaz de perceber que são duas estruturas diferentes:
(1) Agora só vão jogar os quatro mais bem classificados.
(2) Agora só vão jogar os quatro melhor classificados.
(3) Agora só vão jogar os quatro melhores times.
(4) *Agora só jogam os quatro melhores classificados.
As frases (1) e (2) são sinônimas; ambas estão corretas, mas eu só uso a primeira, pois a segunda soa muito mal para meu gosto (o que explica, aliás, por que nosso idioma aceita naturalmente a forma analítica “mais bem” antes dos particípios). A frase (3) está correta, pois agora não se trata do ADVÉRBIO, mas sim do ADJETIVO melhor (“os quatro times mais bons“). A frase (4) não tem defesa, pois a estrutura de nossa língua não comporta aquele ADJETIVO (“melhores”) ligado a um particípio.