Você sabia que o Chaves (o verdadeiro, amigo do Quico e do Sr. Madruga), quando diz “foi sem querer, querendo”, está usando um oxímoro? O Doutor explica.
A leitora Luciane quer saber “o que é oxímoro na Língua Portuguesa”. Minha cara, o oxímoro não é um fato específico do Português; na verdade, é uma figura da Retórica Clássica que consiste em combinar, numa só expressão, dois termos considerados antagônicos, obtendo-se, com essa combinação inusitada, uma série de efeitos literários e expressivos: um silêncio ensurdecedor, um supérfluo essencial, boatos fidedignos, espontaneidade calculada, mentiras sinceras, crescimento negativo. O nome vem do Grego oxus, “afiado, agudo, penetrante”, mais moros, “tolo, idiota”, e teria sido criado pelos retóricos exatamente para designar essas expressões sutis e irônicas que parecem, à primeira vista, pura bobagem.
Como podes ver pelos exemplos acima, o tipo mais freqüente de oxímoro é formado pela união de um substantivo e de um adjetivo; existem, no entanto, formas mais extensas de composição, desde aquele lema dos movimentos de Maio de 68, importado pela nossa Tropicália — “É proibido proibir” —, até a frase imortalizada pelopitoresco Chaves do seriado infantil mexicano — “Foi sem querer, querendo“. A Literatura tem bons exemplos: lembro o tão citado verso de Fernando Pessoa, “o mito é o nada que é tudo“, ou o terrível oxímoro com que Euclides da Cunha define o sertanejo, “Hércules—Quasímodo“, ou ainda um dos mais famosos sonetos da lírica de Luís de Camões, todo construído sobre oposições desse tipo:
Amor é fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Vais encontrar exemplos de oxímoros na literatura de todas as línguas, de todas as épocas. Quero ressaltar, entretanto, uma interessante invenção da retórica moderna, recurso muito útil para aqueles que gostam, como eu, da ironia sutil: em vez de usar a figura do oxímoro, eu uso o próprio termo, servindo-me dele para extrair um significado totalmente surpreendente de combinações corriqueiras de palavras. “Inteligência militar” é uma expressão conhecida e usada sem malícia; no entanto, quando Joseph Heller, no seu romance Catch 22, diz que isso é um oxímoro, o efeito crítico é devastador, porque o autor declara simplesmente que, para ele, inteligência e militar são termos contraditórios, que não deveriam andar juntos. Olha só o veneno:
— Fulano de Tal, músico de rock — perdoem o oxímoro! — declarou…
— Ontem discutimos em aula o oxímoro divórcio amigável …
— O título do artigo era um oxímoro moderno: Sexo Seguro.
— Aquele foi um belo exemplo, apesar do oxímoro, de humildade argentina.
— A julgar pelo Brasil, televisão educativa não passa de um oxímoro.
N.B.: A pronúncia é /occímoro/. Embora o Aurélio-XXI (sempre dando para trás, esse enguiço!) registre oximoro (rimando com namoro), Aurélio-vivo (até a 2ª edição), Antenor Nascentes, Celso Pedro Luft e outros bambas preferem a forma proparoxítona; fico com eles.
Depois do Acordo: freqüente> frequente