Prof. Moreno: numa prova de 5ª série, pediram a meu filho que escolhesse, num texto dado, uma proparoxítona; ele escolheu miséria. A questão seguinte pedia uma palavra que tivesse hiato; ele respondeu também miséria, coerentemente. A professora, porém, considerou incorretas ambas as respostas, dizendo que miséria é uma paroxítona e que nela não há hiato, mas ditongo. Nas gramáticas que consultei, os autores consideram as duas classificações como corretas. Peço sua opinião e reitero não haver intenção de confrontar a posição da escola. Simplesmente desejo saber qual das opções — ou se ambas — está dentro das regras gramaticais.
Gilson A. — Lavras (MG)
Meu caro Gilson: a professora tem razão. Miséria é uma paroxítona terminada em ditongo crescente. Exatamente por isso (devido à elasticidade dos ditongos crescentes na pronúncia), a sílaba final pode — repito: pode —, numa pronúncia escandida, ser dividida em duas (/mi-sé-ri-a/), o que transforma palavras desse tipo, NA FALA, em proparoxítonas. Alguns autores, inclusive, para assinalar o fato, dizem que as paroxítonas terminadas em ditongo crescente podem ser chamadas de proparoxítonas eventuais, relativas ou acidentais — mas elas continuam a ser paroxítonas, e foi a isso que a professora se ateve.
Quanto ao hiato, ele inexiste aqui. Compara secretária e secretaria . Na primeira (que é análoga a miséria), o I é átono; temos, portanto, um ditongo (semivogal + vogal); na segunda, o I é tônico; temos, portanto, um hiato (vogal + vogal). Mesmo que eu leve toda a discussão para o plano da fala, não cabe falar em hiato no caso de miséria.
Para teu consolo, Gilson, informo-te que a maioria dos autores de livros escolares ainda não entendeu bem este item. Não estou brincando: as noções de fonologia que nossas gramáticas escolares trazem estão completamente defasadas. Para que entendas a dimensão do problema, digo-te que elas tratam noções com sílaba, acento tônico, hiato, ditongo, etc., a partir de teorias pré-1950, o que é tão anacrônico quanto um manual médico que abordasse o câncer, a sífilis ou a asma com princípios médicos e biológicos anteriores à 2ª Grande Guerra. Acredita, não estou exagerando.
Além disso, devemos levar em consideração que o ensino de Português, na escola, é (e deve ser) centrado no domínio da linguagem escrita, sem entrar nessa comparação (que estou fazendo agora) entre o plano ortográfico e o plano fonológico. Se subíssemos ao andar de cima, na pós-graduação, aí então ias ver o que é bom: lá, nas altitudes geladas, há autores que até negam a mera existência de ditongo crescente em Português — mas isso é outra história. Abraço. Prof. Moreno
P.S.: recomendo-te também a leitura do que escrevi em ditongo ou hiato?