Veja por que vamos continuar usando Pequim, Nanquim e Cantão, em vez de Beijing, Nanjing e Guangzhou, como recomenda o governo chinês.
Oi, professor! Um dia desses, durante um bate-papo com um amigo, surgiu uma discussão que não conseguimos encerrar. Falávamos sobre o Extremo Oriente, quando mencionamos a cidade de Pequim. Aí então o papo mudou de turismo para língua portuguesa. Meu amigo insistiu que esse nome não existe mais, pois foi traduzido errado para o Português (ou algo do tipo, ele também não sabia exatamente por quê). De acordo com ele, agora finalmente os brasileiros deram-se conta disso e passaram a chamar a cidade pelo nome original, Beijing. E aí, doutor? Onde vivem os chineses, em Pequim ou em Beijing? Abraços.
Júlio O. — Porto Alegre
Meu caro Júlio: para nós, os chineses da capital vivem em Pequim, mesmo que eles gritem todos juntos que vivem em Beijing. Nossos antepassados lusitanos entraram na China no séc. XVI; como herança deles, falamos uma língua que conhece o nome Pequim há quase 500 anos. Aliás, no início havia também algumas divergências quanto à sua pronúncia, mas sob outro enfoque: Fernão Mendes Pinto, o extraordinário escritor-viajante, fala, no capítulo CV da Peregrinação, desta “cidade que nós chamamos Paquim, a quem os seus naturais chamam Pequim“. Portugal manteve intenso intercâmbio com a China, enviando embaixadores, missionários, aventureiros, comerciantes e militares (não necessariamente nessa ordem) ao império dos “chins”, como diziam, acabando por estabelecer uma base em Macau, até recentemente sob domínio ocidental. Por tudo isso, nosso idioma se acostumou a nomes como Pequim, Cantão e Nanquim, além de suas derivações: falamos da cozinha cantonesa, da tinta nanquim, do cachorro pequinês (aquele pequeno cãozinho doméstico de focinho achatado). Assim vivemos felizes por meio milênio, e não vamos trocar tudo isso apenas por causa de uma lei chinesa.
O governo da China, pretendendo uniformizar as transliterações que o Ocidente faz de seus nomes, desenvolveu e divulgou o sistema PINYIN, que regula a transcrição fonética da língua chinesa para o alfabeto romano. É útil e necessária a honorável iniciativa das veneráveis autoridades chinesas; a adoção desse sistema trará, finalmente, a serenidade aos leitores que, como eu, se sobressaltam a cada nova grafia do célebre presidente Mao (Mao Tse-Tung, Mao Tsetung, agora Mao Zedong) ou do não menos famoso Chiang Kai-shek (Chang Kai-chek, Tchang Kai Chek , parece que agora Jiang Jieshi). Como disse um jornalista pouco respeitoso, “o sistema pinyin vai acabar finalmente com a sopa de letrinhas!”.
Isso não significa, porém, que vamos abandonar os nomes já enraizados em nosso léxico. Para entender por que afirmo isso, basta comparar, no quadro abaixo, o nome tradicional com a nova versão pinyin:
Cantão — Guangzhou
Xangai — Shanghai
Pequim — Beijing
Nanquim — Nanjing
Hong-Kong — Xianggang
Nota que não houve aqui uma “troca de nome”, como a do Sião para Tailândia, ou de São Petersburgo para Leningrado e para São Petersburgo, de novo — casos em que existe uma pressão natural que nos leva a adotar a nova denominação. Houve apenas uma troca de sistema de transcrição, o que termina sendo pouca coisa além de uma troca na grafia (já que a pronúncia é variável nas diferentes regiões da vasta China continental). É sabido que as leis ortográficas de um país não costumam ter repercussão nas outras línguas. Quando nós oficializamos a grafia Brasil, os países de língua inglesa continuaram a usar Brazil, a forma consagrada durante nosso regime imperial, enquanto a França, alheia a tudo, sempre usou alegremente o seu Brésil. Por isso, mesmo que um bilhão de chineses não concordem, devemos manter o Pequim do Português, da mesma forma que se mantiveram Pékin (Fr.), Pechino (It.), Pekín (Esp.) e Peking (Al.). Só os jornais de língua inglesa se apressaram em aderir à novidade; talvez, em nome da globalização, nossa imprensa pudesse adotar o hábito educativo de incluir, entre parênteses, o nome reformulado: Pequim (Beijing). Com o tempo, veremos qual das duas formas será escolhida. Abraço. Prof. Moreno