Prezado Doutor: a propósito do vocábulo dohada, do sânscrito, que o senhor examinou no artigo Palavras que invejamos, surgiu-me uma pequena dúvida: como médico, aprendi em minhas aulas de ginecologia (já se vão anos!) que os estranhos desejos de uma grávida recebem o infeliz (para evitar adjetivos piores) nome de pica. Essa informação procede?.
Bruno G. – Goiânia
Meu caro Bruno: não me parece ser a mesma coisa; essa desastrada palavra é muito mais específica que dohada, como verás: pica vem do Latim pica, que traduzimos por pega, uma ave conhecida por sua indiscriminada voracidade, similar àquela que o imaginário popular atribui à avestruz, e designa uma perversão do apetite que leva a pessoa (ou animal) a ingerir substâncias não-alimentícias, não-digeríveis, como terra, argila, reboco, cinzas, ferrugem, borra de café e coisas assim; geralmente é sintoma de alguma carência nutricional, embora possa ocorrer na gravidez.
Por sua vez, o sânscrito dohada, além de não ter esse caráter patológico, refere-se muito mais àquelas combinações exóticas ou inusitadas de alimentos (feijão com goiabada, sorvete com mostarda, salsicha com morangos, etc.) que subitamente apetecem às futuras mamães — para surpresa dos maridos e, muitas vezes, delas próprias. Depois, como muito bem notaste, pica é uma palavra difícil de empregar numa frase (ainda mais relacionada com a gravidez!) sem evocar significados maliciosos ou fesceninos. Vade retro! Abraço. Prof. Moreno