Prezado Prof. Moreno: tendo acessado teu site (que é muito bom, muito útil e bem prático), deparei-me com matéria interessante versando sobre o plural de siglas. Achei “esquisito” tal assunto, haja vista nunca ter lido nada a respeito, quer do ponto de vista gramatical, quer sob outra ótica. Assim, estou tomando a liberdade de endereçar este e-mail, fazendo as perguntas: onde está determinado ou definido que siglas possuem plural? Que convenção, acordo, tratado, etc., estabeleceu tal assertiva? Saúde, paz e muito sucesso.
Jorge S. S. — Salvador
Prezado Jorge: ficarias surpreso ao saber o quão pouco, dentro de nossa língua, está regulamentado por “convenção, acordo, tratado, etc.”, como tu mesmo dizes. Na verdade, apenas a ortografia (emprego das letras e acentuação, mais uma partezinha do hífen) recebeu uma regulamentação. Todo o resto (quando eu digo todo, é todo, mesmo) é objeto apenas de estudos, discussões, opiniões, posições divergentes, etc. Nada — mas nada mesmo, nem crase, nem pontuação, nem colocação dos pronomes, nem a flexão das palavras, nem mesmo a conjugação dos verbos! — nada mais tem lei, acordo, convenção, tratado, portaria ou aperto de mão. Temos de ler os estudiosos, distinguir o que um ou outro tem de melhor, e ir formando uma convicção sobre as infinitas escolhas que um idioma coloca para seu usuário, trabalho que leva a vida toda. E assim é, Jorge, em qualquer língua do mundo que eu conheça; expressar-se bem é uma luta constante, e ninguém pode dizer que está pronto. No caso do Brasil, ainda temos de soltar foguetes, porque o Inglês e o Francês, por exemplo, nem mesmo lei ortográfica possuem!
Por que levar as siglas para o plural? Olha, parece-me que os portugueses (os da internet) não costumam fazê-lo. Não existe ninguém (não há um deus da gramática, Jorge) que possa dizer se eles estão certos ou errados; podemos apenas comparar duas hipóteses e optar pela que parece ser mais lógica e consistente. Eu, por exemplo, sigo a lição do meu grande mestre Celso Pedro Luft, que ensinava que as siglas, no momento em que são substantivos (mesmo criados artificialmente, são substantivos, exercendo todas as funções sintáticas reservadas a essa classe de palavras), passam a ter plural, que é assinalado, no Português, pelo acréscimo do S: “a convenção anual das APAEs“, “o valor estava expresso nas antigas ORTNs“; “as CPIs estão paralisando o governo”; “Varginha parece ser o local preferido pelos ETs“; e assim por diante (como, aliás, é feito com as abreviaturas, das quais as siglas são irmãs: drs., srs., etc.)
Temos de perder essa ilusão legalista (de que existe uma “lei” do Português) e nos conscientizar da necessidade de tomar decisões (individuais) na hora de escrever. O melhor que podemos fazer é cercar essas decisões de todo o apoio de autoridades e especialistas — mas não podemos esquecer que, na maioria dos casos, estaremos apenas embasando nossa opinião na opinião de outros. Se até em Direito é assim, apesar da Constituição, dos Códigos, das Leis, etc., por que seria diferente em linguagem, material muito mais amplo e movediço? Abraço. Prof. Moreno