O que distingue polissemia de homonímia? Tenho procurado em diferentes sítios, mas não parece haver uma distinção nítida entre o que é uma e o que é a outra.
Cláudia Pinto — Lisboa
Minha prezada Cláudia: os dois conceitos são bem distintos; contudo, quem nem sempre colabora docilmente é o material a que eles se aplicam— as palavras, as infinitas e misteriosas palavras. Pensa no vocábulo manga: existe alguma relação entre a fruta e a manga da camisa? Ou seja, trata-se de um só vocábulo com dois sentidos, ou são dois vocábulos diferentes com a mesma forma? Quando um vocábulo possui mais de um significado, chamamos isso de polissemia. Quando dois vocábulos diferentes, de origens e significados diversos, terminam convergindo para a mesma configuração fonológica e ortográfica, chamamos de homonímia.
Um bom exemplo de vocábulo polissêmico (do Grego poli, “muitos”, e sema, “significado”) é LETRA, que tem no mínimo três significados bem conhecidos: (1) um dos sinais gráficos do alfabeto; (2) o texto de uma canção; (3) um título de crédito. Para a maioria dos falantes não parece difícil ligar entre si esses três significados, já que todos eles estão relacionados pela idéia de escrita.
Quando, no entanto, não conseguimos estabelecer uma relação satisfatória entre os significados — como no caso da MANGA —, há forte probabilidade de que estejamos diante de um par de vocábulos homônimos. Uma rápida investigação no dicionário confirma nossa intuição: a fruta vem do Malaio manga, enquanto a parte da vestimenta vem do Latim manica.
Um bom dicionário deveria tentar distinguir os casos de homonímia dos casos de polissemia: manga mereceria dois verbetes diferentes, enquanto os vários significados de letra seriam relacionados no corpo do mesmo verbete. No entanto, como nem sempre é fácil decidir se estamos diante de um ou de outro caso (pensem nos cravos da florista, no cravo que faz par com a canela no doce, nos cravos que pregaram Cristo na cruz, na música de cravo de Bach e de Scarlatti e nos cravos da pele — como classificar?), a maioria dos dicionaristas limita-se a relacionar e definir cada um dos significados: cravo (1) flor…; (2) prego…; (3) instrumento… — e assim por diante, porque eles sabem que essa informação basta para o usuário comum.
Lamento que seja essa a prática mais difundida nos dicionários nacionais, pois ela termina favorecendo a falsa ligação entre termos de origens distintas e deixando solta a criatividade do leitor para imaginar famílias etimológicas sem fundamento algum, como vem acontecendo, por exemplo, com coito e coitado (vê o que escrevi no artigo Atravessando o Canal da Manga). Nota que a tarefa não é das mais árduas: enquanto a polissemia está presente em quase todos os verbetes (os lexicógrafos dizem que vocábulos que só têm um significado são raríssimos, geralmente referindo-se a aspectos muito particulares da realidade — lembro de glabro, “sem barba ou sem pêlos“, ou de acusma, “alucinação auditiva”), os homônimos não existem em grande número e poderiam ser listados exaustivamente.
Depois de ter errado infrutiferamente pelos caminhos tortuosos da internet, espero que finalmente tenhas encontrado tua resposta. Abraço. Prof. Moreno
Depois do Acordo:
idéia > ideia
pêlos > pelos