Prezado Doutor, gostaria de obter um esclarecimento sobre a palavra etc.: se ela deve ser acompanhada de ponto ou de reticências, e se pode realmente vir precedida de vírgula. Aprendi, em um curso de atualização em Português, que etc. é uma abreviação que significa “e outras coisas mais” e que o “e” com idéia de adição não pode ser precedido de vírgula, mas minha revisora – trabalho com textos publicitários – diz que a vírgula é necessária. O que devo fazer?
Márcia S. — Vitória (ES)
Caro Professor: gostaria de saber qual é a forma correta de usar o termo etc. em uma frase. Ele é antecedido ou não de vírgula? Escrevo “Compramos tudo: arroz, feijão etc.” ou “Compramos tudo: arroz, feijão, etc.“? Observei que, nas suas respostas, o mestre sempre utiliza a vírgula antes, que me parece a forma mais usual. Entretanto, alguns professores sustentam que o termo pode ser utilizado sem essa virgula.
Jorge B. — Rio de Janeiro
Desde há muito aprendi que se usa o etc. acompanhado por ponto final (pois indica a abreviação de etcétera) e não é antecedido por vírgula (suponho que por já conter o elemento de ligação et na própria palavra). Mas no teu sítio ele sempre é usado antecedido de vírgula. Qual o emprego correto?
Igor F. — Porto Alegre
Meus caros amigos: etc. é a abreviatura internacionalmente utilizada para a expressão latina et cetera (ou et cætera, ou ainda et coetera), que significa “e outras coisas da mesma espécie”; “e o resto (tratando-se de uma relação de itens)”; “e assim por diante”. No Latim, é formada pela conjunção et (que corresponde ao nosso “e”), mais cetera (o plural neutro de ceterus, “o resto”). Alegando o significado literal dos elementos latinos, não faltaram autores (ingleses, franceses, brasileiros, etc.) que condenassem o emprego desta expressão para pessoas. Ora, já comentamos o equívoco dessa etimologia fundamentalista, que tenta paralisar os vocábulos naquele tempo remoto em que foram criados – vejam o que escrevi sobre outra alternativa é pleonasmo? ou sobre a origem de batismo. Nosso mestre Celso Pedro Luft, com sua erudita ironia, ressalta que, a seguirmos esse raciocínio estreito, “nem rol de substantivos masculinos ou femininos se pode encurtar com etc., já que cetera, neutro plural, só se pode aplicar a neutros… Como sempre, meia erudição, historicismo de manga curta…”. Os dicionários do Inglês e do Francês fazem questão de frisar o fato de que etc. se aplica tanto a coisas quanto a pessoas; no Português, o Aurélio registra, em todas as edições, que a expressão, “embora normalmente se devesse usar apenas com referência a coisas, como se vê do seu sentido etimológico, aparece freqüentes vezes, inclusive nos melhores autores, aplicada a pessoas”. O mesmo fenômeno ocorreu com aquele et primitivo, que não pode ser invocado ainda hoje, em questões de pontuação, como se valesse o mesmo que o nosso “e” atual, como vou demonstrar mais abaixo.
À direita do etc. usamos um ponto para indicar que não se trata de uma palavra, mas sim de uma abreviação: essas três letras não são lidas como tais (/etecê/ ou /étic/), mas como uma representação condensada de etcétera, da mesma forma que cia. e dr. são lidos como “companhia” e “doutor”. Já deparei muitas vezes com o ingênuo costume de colocar reticências após o etc., o que parece um excesso injustificável, uma vez que ambos são recursos utilizados para o mesmo fim: sinalizar a nosso leitor que a enumeração que estamos apresentando não é exaustiva, apenas exemplificativa. Dentre tantas outras, mostro algumas opções:
— atlas, livros didáticos, gramáticas, dicionários, etc.
— atlas, livros didáticos, gramáticas, dicionários, entre outros
— atlas, livros didáticos, gramáticas, dicionários…
— atlas, livros didáticos, gramáticas, dicionários, por exemplo
Basta que eu use uma delas, à minha escolha, e o leitor vai receber a mensagem. Combiná-las (experimentem juntá-las ao acaso, duas a duas!), como toda e qualquer acumulação desnecessária de recursos lingüísticos, vai certamente desagradar a quem estiver lendo o meu texto, além de insinuar que eu o considero meio retardado.
E a pontuação ANTES do etc.? A tendência é pontuá-lo como os demais itens da enumeração que ele estiver encerrando: (1) com vírgula (a, b, c, etc.), (2) ponto-e-vírgula (a; b; c; etc.) ou (3) ponto (A. B. C. Etc.). Os exemplos são do Grande Manual de Ortografia Globo, de Celso Pedro Luft:
(1) “Comprou livros, revistas, cadernos, etc.”
(2) “Palavras com rr e ss: carro, narrar; excesso, remessa; etc.”
(3) “Levantar cedo. Respirar o ar matutino. Fazer ginástica. Etc.”
Assim vem o etc. pontuado, sistematicamente, no Acordo Ortográfico de 1943 e no Vocabulário Ortográfico de 1981. Assim está na maioria das gramáticas, assim é a prática da maioria dos escritores modernos. De onde tirei isso? Meu patrono, Celso Pedro Luft, escolheu aleatoriamente 100 páginas de escritores e gramáticos como Gilberto Freyre, Pedro Nava, Darcy Ribeiro, Autran Dourado, Graciliano Ramos, Marilena Chauí, Antônio Cândido, Paulo Rónai, José Guilherme Merquior, Antenor Nascentes, Antônio Soares Amora, Massaud Moisés, Rocha Lima, Evanildo Bechara, Celso Cunha e Gladstone Chaves de Melo, entre outros, e encontrou 115 ocorrências com vírgula, contra 14 apenas sem vírgula (A Vírgula. Editora Ática, 1996). Bota tendência majoritária nisso! Como na vestimenta, a linguagem que usamos é a soma de nossas decisões individuais; podemos até optar por escrever o etc. a la antiga, sem pontuação alguma, mas essa esmagadora preferência pelo etc. pontuado parece indicar que os autores intuíram aqui alguma vantagem na organização do texto que a outra forma não tem. Um abraço para todos. Prof. Moreno
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