“Acabo de ler o teu artigo sobre as diferenças léxicas e ortográficas entre o que falamos e escrevemos no Brasil e o que se e fala e escreve em Portugal. Bom, viajo seguidamente para lá, pois sou músico/percussionista, e há tempos venho observando a maneira como os portugueses falam. Por exemplo, disse-me o garçom, certa vez, referindo-se à cerveja que trazia na mão: “Deixe-me abrir para si”. Nós diríamos “Deixa-me abrir para ti”, ou “eu abro pra ti”(no popular). Também usam o consigo em lugar do contigo. Outra situação: não é raro usarem mais pequeno nas construções em que só aceitaríamos menor. O que seria, nestes dois casos, o certo? Ou seria mais uma questão de approach lingüístico? Um grande abraço, Mico Louruz — Bélgica
Meu caro Mico, esses fatos que mencionas também fazem parte da rede de diferenças na linguagem dos dois países. Quando nos damos conta de sua existência, ficamos muito mais cautelosos na hora de classificar alguma coisa de “certa” ou “errada”. Quando a TV Globo fez aquela minissérie sobre Os Maias, a roteirista construiu a fala dos personagens baseando-se diretamente no romance de Eça de Queirós. Não deu outra: muitos leitores do Sua Língua ficaram indignados quando um personagem disse a outro algo como “Preciso falar consigo” — erro que aprendemos a evitar nas aulas do colégio —, sem perceber que essa forma também é aceita no uso culto aí desse lado do Atlântico. Um boi-corneta ainda teve o topete de me escrever para dizer que “Eça de Queirós usava mal os pronomes”! Mandei-o, é claro, repregar as ferraduras e comer mais um pouco de alfafa.
Se o tema te interessa, o genro do Houaiss — Mauro Villar —, que agora responde pelo Instituto Houaiss, publicou, há alguns anos, um interessantíssimo Dicionário Contrastivo Luso-Brasileiro, em que ele, na 1ª metade, relaciona os vocábulos usados em Portugal e dá o seu equivalente no léxico brasileiro, e na 2ª relaciona os vocábulos usados no Brasil e fornece o seu equivalente em Portugal. Embora não tenha sido escrito com a intenção de ser cômico, é uma excelente e divertida leitura, que nos obriga, de uma vez por todas, a encarar com maior tolerância esses traços idiossincráticos dos dois países e a entender que não temos o direito de criticar os portugueses — nem eles a nós — pelas diferenças lingüísticas que caracterizam o PB e o PE (como chamamos, no jargão acadêmico, o Português Brasileiro e o Português Europeu). Abraço. Prof. Moreno
P.S.: o curioso (ou o trágico) é que o mesmo Mauro Villar, que catalogou tantas diferenças irreconciliáveis entre o léxico usado nos dois países, agora seja o maior defensor daquela lengalenga de “unificação da Língua Portuguesa” — logo ele, que sabe muito bem que isso é impossível! Ou mudou ele (talvez tenha virado místico, tornando-se uma espécie de Antônio Conselheiro do idioma), ou mudaram os interesses…
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