Prezado professor, adoro a página do Doutor e, como faço correção de textos, gostaria de receber resposta sobre a seguinte questão: é necessário empregar o hífen em “tendo-se tornado um líder”, ou posso escrever “tendo se tornado“, sem o hífen?
Magda
Minha cara Magda: a tua dúvida bate exatamente em cima de um dos pontos que distingue o PB (Português Brasileiro) do PP (Português de Portugal). Nossos gramáticos mais reacionários exigem o hífen em frases como a tua; dizem que o pronome oblíquo não pode ficar solto entre os dois verbos da locução, mas deve estar em ênclise ao primeiro verbo. Segundo a óptica deles, deveríamos escrever “pode-se ver” (e não “pode se ver”), “vou-te contar” (e não “vou te contar”).
É incrível, no entanto, a miopia desses “entendidos”: eles simplesmente não percebem que esse preceito tem clara origem em Portugal, onde a pronúncia (e conseqüente colocação) dos oblíquos é completamente diversa da nossa, que usamos “vou te dizer”, “quero te avisar”, “estou te chamando”, “tinhas me avisado”. Na sua cegueira, chegam ao cúmulo de acusar (!) de “brasileira” essa colocação do pronome entre os dois verbos da locução, esquecendo, talvez, do país em que ganham seu pão… No fundo, o que eles estão dizendo nas nossas barbas é uma verdadeira pérola: “Onde é que se viu escrever como brasileiro fala? Escreve-se é como fala o português”.
Todavia, como o Brasil também tem seus bons cérebros, toda essa bobagem de colocação do pronome vem sendo contestada pelos melhores autores do séc. XX, entre eles gigantes como Said Ali e Antenor Nascentes. É de autoria deste último, aliás, o belo trecho sempre citado por meu mestre Celso Pedro Luft:
“O caso da colocação dos pronomes pessoais oblíquos é invenção dos gramáticos brasileiros. Em todas as línguas os pronomes têm sua colocação natural, que se aprende desde o berço; ninguém precisa na escola fazer aprendizagem especial de colocação de pronomes.
“Foi isto o que claramente enunciou Silva Ramos ao dizer que não sabia como se colocavam os pronomes, ‘pela razão muito natural de que não sou eu quem os coloca; eles é que se colocam por si mesmos, e onde caem, aí ficam” (Pela Vida Fora, p. 119).
“Todas as colocações, menos aquelas que aberrarem do bom senso, tornando a frase ininteligível, são pois aceitáveis.
“Esta questão começou na segunda metade do século XIX. Havendo críticos portugueses estranhado colocações nossas, diferentes das suas, alguns escritores nossos, para fugir a censuras, começaram a pugnar pela colocação à moda portuguesa, considerando errada a colocação natural aos brasileiros. Chegou-se a escrever sobre o assunto um livro de centenas de páginas!
(A. Nascentes. O Idioma Nacional na Escola Secundária –1936).
No entanto, Magda, como fazes correção de textos, forçosamente algumas das pessoas que vão examinar teu trabalho foram formadas pela delirantes “regras de colocação do pronome”, sem nunca ter lido esta página, ou Antenor Nascentes, ou Said Ali, ou Celso Pedro Luft. Recomendo-te, portanto, cautela e caldo de galinha. Se usares “tendo SE tornado” (que eu prefiro), estarás sujeita a enfrentar a censura de quem sabe menos do que tu, mas de cuja avaliação depende o teu sucesso; por isso, tapa o nariz e usa “tendo-SE tornado”. Eu próprio, quando não quero me incomodar (olha só: “quero me incomodar”), capitulo e recorro a uma das duas posições “aceitáveis” do pronome: “quero incomodar-me” (a menos antipática) ou a esquisita “quero-me incomodar”. Contudo, noto, com orgulho, que essa covardia tem sido cada vez menos freqüente no que escrevo. Abraço. Prof. Moreno
Depois do Acordo: conseqüente > consequente
freqüente > frequente