A algumas semanas da eleição, poucos foram os brasileiros que ficaram indiferentes à denúncia oferecida contra o ex-presidente Lula pelos procuradores da operação Lava a Jato — uns a criticar, outros tantos a aplaudir. Entre estes últimos certamente se inclui nosso leitor Alberico Z., de Caxias do Sul, o qual, depois de elogiar muito esta coluna (“Recorto sempre e mostro para os amigos”), lamenta que os jovens integrantes da força-tarefa do Ministério Público tenham maculado sua apresentação ao empregar o termo propinocracia, que não está nos dicionários. “Professor, entendo o que eles querem dizer com isso, mas acho que um neologismo deste quilate destoa como um resto de feijão no dente. O senhor não concorda?”.
Não, caríssimo leitor, não concordo — e aconselho que você puxe uma cadeira e aproveite o divertido desfile dessas palavras que nascem da recombinação de elementos que todos conhecem. Como sabem que o termômetro e o barômetro são instrumentos de medir, os falantes criaram, por analogia, palavras como olhômetro, impostômetro, sonegômetro e bafômetro, que são muito úteis e de significado muito claro. Os hotéis equiparam cada quarto com um frigobar? Pois um folheto anuncia um passeio ecológico pela Serra do Mar, em que os participantes serão acompanhados por um guia e um paciente frigoburro. Não é uma beleza?
Além disso, a palavra propinocracia já não é tão nova assim. Em 2011, por exemplo, Cláudio Noronha publicou em seu blogue um texto facecioso em que deita e rola, descrevendo uma suposta república propineira, que segue o regime da propinocracia. O poder é dividido entre propinocratas novos e velhos — os neopropinocratas e os propinossauros, todos eles imbuídos do mais legítimo espírito propinocrático. O problema, diz o autor, é que “recente pesquisa, feita pelo Instituto de Propinologia
e disponibilizada na propinet, revelou uma tendência perigosa da sociedade se polarizar, opondo propinistas contra antipropinistas” — e por aí vai a valsa.
Como podemos ver, não precisamos consultar um dicionário para entender essas palavras, pois nosso léxico é como um imenso Lego: as peças estão na caixa, à disposição do falante, que pode usá-las para produzir centenas de milhares de combinações que, é quase certo, não haverão de estar dicionarizadas. O blogueiro Cláudio Noronha ou os procuradores, portanto, não inventaram propinocracia ou o também recente propinoduto; elas já existiam virtualmente no nosso estoque de palavras possíveis, à espera de que a realidade produzisse as condições necessárias para que alguém as empregasse. É isso que explica, aliás, a cara de paisagem que faço quando me perguntam quantas palavras tem nosso idioma…
Ah, outra coisa: o amigo disse que costuma recortar e guardar o que escrevo — no que muito me honra; talvez lhe interesse saber, por isso mesmo, que a Coleção Pocket da editora L&PM inclui três volumes de O Prazer das Palavras, reunindo uma
boa parte das colunas aqui publicadas.
(Ilustração do incomparável Edu – Jornal ZH)