Caro prof. Moreno, tenho uma dúvida recorrente quanto ao vocábulo tesão: tal palavra tem caráter feminino ou masculino? Eu sempre usei no feminino, não por uma manifestação feminista, mas por associá-la ao campo das sensações. “A minha tesão arrebata-me” ou “A sua tesão acabou” ou “A tesão é uma arma”, por exemplo. Porém, muitas vezes tenho ouvido o contrário, como “tenho o maior tesão por você”, ou “o meu tesão está em assistir um bom jogo de futebol”. Sendo assim, venho recorrer ao seu vasto conhecimento da nossa língua pátria para sanar a minha, até então, eterna dúvida.
Letícia C.
Minha cara Letícia: enquanto escrevo estas linhas, não posso evitar aquela mesma sensação que senti quando, com sete anos, repeti na mesa do almoço todo o novo vocabulário “especializado” que tinha aprendido no pátio da escola, no meu primeiro dia de aula. Mas sei que os tempos são outros e que as palavras que jamais saíam do fundo do quintal terminaram conquistando seu lugar na sala de visitas; por isso, vamos lá: tesão é uma palavra muito antiga; no Houaiss, a datação feita por Antônio Geraldo da Cunha situa por volta de 1550 o registro de seu primeiro emprego escrito. Nessa época, o vocábulo ainda não tinha qualquer significado sexual; era apenas um irmão de tensão, sinônimo de “firmeza, rigidez”. No século seguinte, o bom Padre Vieira podia dizer, em um de seus sermões, que Jó, clamando ao Senhor, “queixava-se do tesão de suas penas, demandando e altercando por que se lhe não havia de remitir e afrouxar um pouco o rigor delas”. No início do séc. XVIII, o colossal dicionário do padre Rafael Bluteau, tantas vezes citado aqui neste sítio, define tesão, sem malícia alguma, como “firmeza de cousa estendida, estirada, entesada”; no entanto, lá pelo final do século, na mesma época da Inconfidência Mineira, o vocábulo começa a aparecer também para indicar o estado do pênis ereto. Essa nova e pouco publicável significação já devia estar bem difundida no Português coloquial, pois a má-fama da palavra espalhou-se numa rapidez admirável para a lentidão das comunicações da época. Morais, em seu dicionário (1813), depois de relacionar todos os sentidos tradicionais do vocábulo, observa que “muitos têm escrúpulos de usar desta palavra, porque de ordinário se diz o tesão de uma parte obscena do homem”. Como resultado, nenhum escritor do séc XIX ousou empregar o termo, a não ser Bernardo Guimarães, o autor da Escrava Isaura, que facilmente encontrou um lugar para ele no seu famoso poema fescenino, O Elixir do Pajé, de publicação proibida, que circulou clandestinamente em fechados círculos de apreciadores, mas que hoje está a nossa disposição no acervo digital da Biblioteca Nacional (atenção: é um texto clássico, mas restrito a leitores adultos!). Nem Macedo, nem Alencar, nem Machado, Euclides ou Nabuco, nenhum deles se arriscou a empregar o vocábulo, nem a forma variante tesura, também irremediavelmente contaminada. Até hoje o Aurélio classifica o vocábulo (nas suas conotações sexuais) como “chulo”, enquanto o Houaiss o rotula de “tabuísmo”, o que é uma maneira elegante de dizer ao leitor que ele deveria restringir o seu emprego a situações mais “livres” — embora já apareça em títulos de livros e até mesmo na poesia de João Cabral do Melo Neto, “Forte de Orange, Itamaracá”:
E um dia os canhões de ferro,
sua tesão vã, dedos duros,
se renderão ante o tempo
e seu discurso, ou decurso:
ele fará, com seu pingo
inestancável e surdo,
que se abracem, se penetrem
se possuam, ferro e musgo.
Pelos exemplos que apresentei, Letícia, podes notar que o termo era masculino no passado (Vieira, Morais, Bernardo Guimarães), mas feminino no texto de João Cabral. Parece ser essa a tendência; nos seus variados significados modernos (ardor sexual; pessoal sexualmente desejável; excitação), Aurélio registra: “Masc. e fem.” Já o Houaiss, menos lacônico, explica que “na fala coloquial, com repercussão na linguagem escrita informal e mesmo jornalística, vem sendo usado no Brasil no feminino“. Isso me parece bem de acordo com o espírito de nosso idioma, em que a totalidade dos substantivos abstratos terminados em ÃO são femininos: alusão, coesão, confusão, decisão, difusão, divisão, explosão, fusão, etc. (sem mencionar todos os abstratos formados pelo sufixo -ção).
O passar do tempo teve também outros efeitos sobre a palavra: o fato de mulheres falarem hoje na sua tesão mostra como, curiosamente, foi perdida a ligação deste vocábulo com o radical de teso (acho que não preciso explicar a relação primitiva…). Além disso, vai assumindo, aos poucos, o sentido de “vontade, entusiasmo”, permitindo que se ouçam no rádio frases que, no meu tempo de colégio, causariam uma algazarra inesquecível entre a garotada: “Aquele zagueiro sempre joga com tesão”, “Sivuca toca aquela sanfoninha com muita tesão”, etc. — como é no Espanhol, onde tesón é vocábulo inocente, significando “constância, perserverança, firmeza”, como se vê neste trecho de um dicionário filosófico: “Kant poseía unos penetrantes ojos azules, una inteligencia superior, un tesón férreo, y una gran constancia de carácter“. Dá-lhe, Kant! Abraço. Prof. Moreno