Professor Moreno, faz muito tempo que tenho essa dúvida e ainda não consegui esclarecer. É o seguinte: há cerca de dez anos foram lançadas duas propagandas em veiculação nacional, mas que parecem estar com problemas de concordância. A primeira é “VEM pra Caixa VOCÊ também”; a segunda, “Se VOCÊ não se cuidar, a AIDS vai TE pegar”. A primeira, propaganda da Caixa Federal, não teria de ser “VENHA pra caixa VOCÊ também” ? A segunda, lema da campanha contra a AIDS, não teria de ser “Se VOCÊ não se cuidar, a AIDS vai LHE pegar”? Espero que me esclareça por favor essa dúvida. Um abraço.”
Norma A. — Rio Preto.
Minha cara Norma: tua pergunta mexe em dois abelheiros — o uso do imperativo e o emprego dos pronomes pessoais —, dois pontos em que o uso vem deixando para trás aqueles padrões que a Gramática Tradicional teima em defender. Já tive oportunidade de comentar o problema do Imperativo em licença poética e em lê ou leia; há muito tempo o modelo que os manuais recomendam deixou de ser usado na fala, ficando restrito à língua escrita culta formal. Além disso, nas duas frases aparece a tendência atual de mesclar formas da 2a. e da 3a. pessoa gramatical para nos dirigirmos a nosso interlocutor.
Já deves ter percebido que a linguagem da publicidade — mesmo quando se trata de mensagens escritas — procura ficar o mais próximo possível da língua falada. No caso da Caixa, os redatores perceberam que as duas opções formais da língua culta não atendiam suas necessidades: “Venha pra Caixa você também. Venha” mandaria a rima às urtigas, e “Vem pra Caixa tu também. Vem”conservaria a rima mas só seria bem aceita no Rio Grande do Sul. Por isso, além de usarem o “pra”, informal, optaram por aquela mistura do tu e do você, atualíssima: “VEM (tu) pra Caixa VOCÊ também. VEM!“.
Os criadores da campanha contra a AIDS esbarraram no mesmo rochedo: as duas formas corretas não são aceitáveis numa campanha que precisa, pela própria natureza, alcançar todos os estratos da população. “Se VOCÊ não se cuidar, a AIDS vai pegá-LO” ficaria horrível, porque perderia a rima, o paralelismo e — pior ainda! — usaria o pronome oblíquo O, que a maioria dos falantes já não sabe usar. “Se tu não te CUIDARES, a AIDS vai TE pegar” perderia a rima e teria um áspero sotaque gaúcho. A frase que produziram segue a tendência, consagrada no Português atual, para o tratamento da 2a. pessoa do discurso (lembras? aquela com quem se fala…): usamos o verbo na 3a. do singular e o pronome oblíquo da 2a. (te): “Se VOCÊ não se CUIDAR, a AIDS vai TE pegar”.
As duas frases são aceitáveis no Português culto formal escrito? Claro que não; a flexão incorreta do imperativo e a mistura de tratamento devem ser evitadas por todos os que tentam escrever com rigor. As duas campanhas deveriam ter sido, então, corrigidas? Claro que não. Para o fim que pretendiam, estão na forma mais adequada possível. Acredita, Norma: isso é saber escrever. Abraço. Prof. Moreno