xerox ou xérox?

Eu sempre disse /xeróx/ (com a tônica na última sílaba), mas aqui no Tribunal já me corrigiram várias vezes para /rox/. Afinal, qual é a forma correta? E na escrita, leva ou não leva acento?

Secretária — Londrina

É sempre mais complicado definir a forma correta de pronunciar uma palavra, Secretária. As pessoas sentem-se mais seguras no que se refere à escrita, porque esta, por sua própria função de registro, é mais estável — sem contar que existe, no Brasil, uma lei que (mal ou bem) ajuda a fixar uma grafia uniforme: afinal, sempre podemos consultar o vocabulário ortográfico (um dicionário em que as palavras não são definidas, mas simplesmente relacionadas, numa grande lista, com a forma que a Academia resolveu achar correta). No que se refere à pronúncia, contudo, o falante precisa basear-se no exemplo das pessoas cultas e na opinião dos gramáticos e dos dicionaristas (faço questão de frisar: a pronúncia que um dicionário indica para uma determinada palavra representa apenas a opinião de seu autor; é uma opinião especializada, mas é uma opinião).

Entretanto, se examinar com cuidado as palavras e as frases de uma língua, um especialista em Fonologia pode ir além da simples opinião e estabelecer alguns fatos concretos sobre a organização intrínseca dos sons que a compõem — e, o que me parece mais importante, identificar quais são as tendências que essa língua apresenta no momento. Por exemplo, no caso do xerox, posso apontar uma tendência mais ou menos nítida, a partir dos anos 50, para os vocábulos terminados em X (na fala, pronunciado como /cs/): até a primeira metade do século XX, eram unanimente paroxítonas, isto é, com a tônica na penúltima, e com um indisfarçável caráter erudito. No Aurélio, entre outros, encontrei tórax, bórax, clímax, córtex, látex, sílex, cóccix, fênix, ônix.

De 1950 para cá, todavia, o modelo parece ter-se deslocado nitidamente: as palavras novas que entraram no Português desde então foram recebendo a tônica na sílaba final: durex, inox, pirex, gumex, telex, jontex, relax, prafrentex, redox. Não importa que muitas ainda sejam, ou tenham sido, nomes comerciais: os falantes dão-lhes instintivamente o padrão que a língua está usando neste momento para palavras com este perfil. Não tenho a menor dúvida de que todas as próximas que virão (e as palavras não param nunca de ingressar no nosso léxico) seguirão este padrão.

Como é que eu arrisco a data dos anos 50? Bem, aqui temos apenas mais uma confirmação de que a verdadeira análise lingüística precisa levar em consideração o componente cultural e histórico da língua que está estudando. O pirex e o inox, por exemplo, apontam para o final da 2ª Guerra, como subprodutos do avanço tecnológico que o esforço bélico produziu. A eles eu acrescento um vocábulo que omiti nas relações acima: dúplex, o avô de nossas coberturas, em que um apartamento é ligado ao de cima por uma escada interna (naquela época, um dos símbolos de status da classe poderosa de Rio e São Paulo; alguns chegavam ao clímax ao adquirirem um tríplex). Ora, dúplex é uma palavra muito antiga, usada como sinônimo de dúplice (“convento dúplex – convento para frades e freiras”, ensina Antenor Nascentes), portadora daquela nítida aura de palavra erudita e alatinada. Ao passar a denominar esse tipo de apartamento (que assim se chama até hoje), o vocábulo entrou verdadeiramente na corrente sangüínea do Português e tomou a forma duPLEX. O Aurélio, com honestidade, registra, no verbete dúplex: “Pronuncia-se correntemente como oxítono”; o Houaiss, um tanto ambíguo, registra duplex como “forma não preferível e mais usada do que dúplex“…

O xerox é recente, como o telex, e não vejo por que não seria pronunciado dessa forma. O Aurélio registra as duas — xérox e xerox—, embora indique preferência pela primeira.. . Isso está coerente com a orientação deste dicionário, que é excelente em muitos aspectos, mas nitidamente atrasado em sua orientação fonológica.  O Houaiss, mais moderno, prefere xerox, indicando expressamente, entre parênteses, a pronúncia /ócs/.

Como vemos, a pronúncia xérox representaria uma volta ao molde que a própria língua já abandonou (que levaria a algo como *télex, *dúrex, *pírex). Por outro lado, entre as pessoas que dizem xérox, suspeito que algumas o façam numa tentativa equivocada de manter a pronúncia estrangeira, com todo aquele prestígio que o Inglês dá aos vocábulos tecnológicos; se for por isso, deram com os burros n’água, já que no Inglês a palavra soa /zirocs/, com a tônica no /zi/ e o “o” bem aberto, como vovó. Abraço. Prof. Moreno

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