O -ipe de Sergipe

Caro professor: sou estudante de Letras; numa pesquisa que fizemos, fiquei intrigada com a quantidade de nomes de lugar que terminam em -ipe, como Cotejipe, Sergipe, Mutuípe, entre outros. Qual o significado deste “morfema”? Se possível, gostaria que o senhor me informasse o significado de Cotejipe, por exemplo.

Renata M. —     Salvador

Prezada Renata: confesso que o Tupi é uma das lacunas da minha formação; minha faculdade de Letras jamais ofereceu esta língua como disciplina regular, e o pouco que conheço fui colhendo aqui e ali, ao longo de minhas leituras sobre o Português do Brasil Colonial. No entanto, os deuses me sorriram e acabei encontrando a providencial página do professor Eduardo de Almeida Navarro, da USP, que propõe um raro e útil curso breve de Tupi, “com base nos nomes de origem tupi da geografia e do Português do Brasil”. As lições são interessantíssimas; não podes deixar de visitá-las. No que se refere à tua pergunta, nosso tupinólogo explica o seguinte: assim como nossas preposições vêm antes do nome regido (como o prefixo pre- já indica), o Tupi usa posposições, que vêm depois. Pe é uma dessas posposições, indicando “lugar onde ou para onde”. Além disso, as relações que o Português exprime com a preposição DE (posse: o livro de Pedro; matéria: casa de tijolo) são indicadas, no idioma Tupi, com a simples inversão da ordem dos componentes, mais ou menos como faz o Inglês (Pedro livro, tijolo casa — como Peter’s book, brick house

Por isso, enquanto a estrutura do sintagma, em nosso idioma, é [no+rio+dos+siris], em Tupi fica [siris+rio+ em] — o que, traduzido na língua lá deles, fica “siri ‘y-pe” (onde siri é o próprio, e ‘y é “rio”) = Sergipe (“no rio dos siris“). Adivinha então, Renata, o que seria Tatuípe? Claro que é “no rio dos tatus“. E Cotejipe, que perguntaste especificamente? Nada menos que “no rio das cutias“. E Coruripe? Se pensares no sapo cururu, do poema de Manuel Bandeira, vais te dar conta que é “no rio dos sapos”. Jaguaripe só pode ser “no rio das onças”, Jacuípe, “no rio dos jacus”, e assim por diante. Vale a pena passear pelas dez lições do professor; vais ver como muitos nomes corriqueiros têm etimologias surpreendentes. Desta vez, a tua consulta serviu para que nós dois — eu e tu — aprendêssemos. Abraço. Prof. Moreno