Os animais e seus abrigos

Enquanto as aves silvestres e os insetos constroem instintivamente os seus próprios abrigos, os animais que acompanham o homem há milênios não vieram equipados para fazê-lo. Os bois, as ovelhas, os cavalos e as aves domésticas ficariam completamente expostos aos rigores da Natureza se nós, como uma espécie de retribuição por tudo aquilo que eles nos fornecem, não providenciássemos a proteção e o alimento que eles não mais sabem encontrar por si sós. 

colméia — Do latim culmus, “haste vegetal, talo”, nosso idioma extraiu colmo, que designa a palha de diversas plantas, usada na cobertura de telhados europeus. Quando começou a exploração econômica do mel e da cera de abelhas, foram criados abrigos artificiais para que os enxames selvagens ali se fixassem — cestos de colmo ou caixas rústicas feitas com barro ou com a cortiça de certas árvores. Os cestos deram origem ao termo colméia, palavra que só existe no português e no espanhol (colmena). É interessante notar que as caixas feitas com cortiça deram origem ao termo cortiço, o qual, além de ser um sinônimo de colméia, é usado como metáfora para designar uma casa antiga, cheia de cômodos, que serve de habitação coletiva para dezenas de famílias, como aquela que é descrita no famoso romance de Aluísio de Azevedo. Os dicionários registram duas variantes, colmeia e colméia, mas o Houaiss indica a segunda como a pronúncia preferida no Brasil, no que está coberto de razão. 

curral — Há várias hipóteses para a origem deste vocábulo, mas todas mais ou menos convergem para a matriz latina currus, “carro de duas rodas, de tração animal”, de onde se derivou currale, “lugar onde se guardam os carros e os animais para puxá-los”. Além de curral, nosso idioma tem dois outros derivados da mesma fonte, mas de uso muito reduzido: curro, que designa o cercado junto à praça de touros, onde estes permanecem antes e depois das touradas, e corro, cercado onde se encerram os cavalos ainda não domados para poder laçá-los e marcá-los. Num passado não tão distante assim, era comum, no dia das eleições, os chefes políticos reunirem os eleitores sob seu comando e encerrá-los num local controlado, de onde só sairiam na hora de votar — eram literalmente os famosos currais eleitorais, expressão que hoje só se emprega em sentido figurado.

poleiro — Para designar os filhotes de aves, especialmente de galináceos, todas as línguas românicas utilizam um derivado do Latim pullus, “filhote”: o Francês tem poule, o Italiano tem pollo, o Espanhol tem pollo. O Português primitivo também teve polho, mais tarde pôlo; no entanto, por razões até hoje obscuras, nosso idioma foi aos poucos abandonando esta palavra e substituindo-a por frângão, forma antiga que evoluiu para o nosso atual frango, reservando o pouco conhecido pôlo para designar o filhote do falcão. Continuou em uso, porém, o derivado poleiro, que o dicionário de Morais define como “lugar onde as galinhas se recolhem, e as varas atravessadas onde pousam”. Por ironia, o termo também é usado para designar os assentos mais altos (e mais distantes) da platéia de um teatro ou de um circo.

estábulo — No Latim, stabulum, literalmente “lugar onde se pára“, era usado para designar uma pousada para os viajantes, um abrigo de beira de estrada ou um lugar onde dormiam os animais da fazenda. Quando entrou no Português, ainda tinha todos esses significados; o dicionário de Morais, de 1813, no entanto, já considera antiquado o sentido de “estalagem ou pousada”, reservando o termo especificamente para um local onde os animais dormem e comem, especialmente as vacas leiteiras. De uma antiga variante popular, estabro, originou-se estrebaria, local onde ficam os cavalos e onde se guardam os arreios. 

gaiola — O vocábulo latino caveola, diminutivo de cavea, “cavidade; jaula; viveiro”, produziu uma rica família de derivados que se espalhou pelas principais línguas européias. No Latim da Idade Média, ele aparece modificado para gabiola, entrando no Francês antigo como jaiole. Desta bifurcação, resultam dois grupos diferentes. De jaiole vem o Inglês jail (“prisão”), o Francês gêole (“prisão, cela”) e o Português jaula. De gabiola, veio o nosso gaiola e o Inglês gaol (“prisão”). Enquanto a jaula é construída com barras reforçadas, própria para conter animais ferozes, a gaiola é geralmente feita de arame fino; por isso, quando o cientista britânico Michael Faraday descobriu que o interior de uma estrutura feita de malha metálica fica livre de cargas elétricas, o princípio passou a ser conhecido naturalmente pelo nome de “gaiola de Faraday”.

presépio — O significado primitivo de praesepium, em latim, era simplesmente de “estrebaria, cercado para animais”; no entanto, na tradição do cristianismo, o termo passou a designar especialmente a cena do nascimento de Jesus, numa manjedoura de Belém — o que explica a presença obrigatória, até mesmo nos presépios vivos, de um boi e de um jumento. O dicionário de Morais (1813) ainda registra, para presepe, “estrebaria de bestas”. Embora as diferentes versões do texto bíblico alternem presépio com manjedoura como se fossem sinônimos — um bom lugar para verificar isso é em Isaías, 1.3: “Conhece o boi a seu dono, e o asno o presépio de seu amo” —, hoje os dois termos designam coisas distintas. A manjedoura, que é uma espécie de cocho onde se coloca o feno para a alimentação dos animais (deriva de manjar, “comer”), é o centro de atenções do presépio, pois é nela que aparece, deitado no feno, o recém-nascido Menino Jesus. 

ninho — Como todas as palavras que se referem à natureza, ninho é muito antiga. Do Latim nidus, “abrigo construído pelas aves”, surgiu nid (Francês) e nido (Italiano e Espanhol). Nós também deveríamos ter a forma nido; contudo, como o português perdeu, historicamente, o D que ficava entre duas vogais (fidele>fiel; gradu>grau; radio>raio), ela passou a nio, transformando-se, a seguir, em ninho. Apesar disso, o antigo radical reaparece em vários vocábulos derivados de uso científico: as andorinhas nidificam (“fazem ninho”) nos beirais dos telhados, e o óvulo fecundado precisa nidar (“fixar-se”) na mucosa intra-uterina. Muito cedo os poetas perceberam o valor deste vocábulo como símbolo de um lugar onde a pessoa pode se refugiar, a salvo dos problemas deste mundo: os trovadores do séc. XII já começam a falar no ninho de amor

Depois do Acordo: colméia > colmeia

pôlo > polo

platéia > plateia

pára > para

européia > europeia