retrônimos

Prezado Doutor: por que as cuecas samba-canção têm esse nome? 

Cíntia M. — São Paulo

Prezada Cíntia: não posso te dizer ao certo, mas tenho quase certeza de que se trata de um desses modernos retrônimos (do Latim retro, “para trás”, mais o Grego onyma, “nome”, irmão portanto de sinônimo, pseudônimo, etc.), que consistem em rebatizar alguma coisa tradicional (geralmente pelo acréscimo de um adjetivo permanente) para distingui-la de uma modificação trazida pelo progresso, que terminou roubando o seu nome: (1) havia a guitarra; (2) surgiu a guitarra elétrica; (3) esta se popularizou a ponto de passar a ser o padrão; (4) a guitarra original passou a ser chamada de guitarra acústica.

Este processo, que alguns autores também chamam de retroformação, sempre indica que a coisa designada pela expressão [substantivo + adjetivo] tornou-se rara ou fora de moda. Com a popularização dos relógios digitais, passamos a falar de relógio analógico para especificar aquele que ainda tem ponteirinhos; as mães modernas, quando trocam as fraldas de seus bebês, horrorizam-se ao ouvir falar das fraldas de pano; os alimentos congelados ainda especificam o tempo de descongelamento no forno convencional; alguns países ainda mantêm destacamentos de cavalaria montada — isso tudo sem contar a infinidade de exemplos em que entram os adjetivos natural ou integral: loura natural, parto natural, leite integral, etc. Em todos eles, houve uma sutil troca de lugar entre o que era a norma e o que era a exceção; na minha infância, distinguia-se sabão (que era em barra) do sabão em pó; hoje, ao contrário, distingue-se sabão (que presume-se ser em pó) do sabão em barra — fato que me ficou evidente quando meu filho menor achou sem sentido eu ter mandado alguém lamber sabão.

Vamos, agora, à cueca samba-canção: como homem, Cíntia, posso te assegurar que o surgimento da cueca tipo Zorba foi considerado uma revolução na moda íntima masculina. Antes dela, só existia aquela tradicional cueca de perninha, que era (e é) muito mais confortável, mas tinha um design mais apropriado para as antigas e amplas calças de tecido. Com a universalização dos jeans, a perninha da cueca mostrou ser um verdadeiro estorvo, porque terminava enrolando coxa acima; a cueca tipo sunga eliminou completamente este problema. Como o termo cueca passou, pouco a pouco, a designar o novo modelo, foi preciso rebatizar a cueca de perninha; alguém deve ter sugerido (isso me cheira a achado de publicitário; uma pesquisa histórica poderia localizar a campanha em que esse nome foi lançado) o nome de samba-canção, porque, ao menos na época, ambos eram bregas — o modelito antigo de cueca e esse tipo de samba, lembrando, aos que conhecem, os galãs das histórias pornográficas de Carlos Zéfiro, sempre com aquele bigodinho fino e aqueles cuecões. Posso apostar que houve uma campanha publicitária (nem sei se não foi da própria Zorba…), pois só assim se explica essa adoção nacional do termo. Abraço. Prof. Moreno