Prezado Prof. Moreno, temos, em nosso idioma, dois sufixos para designar “terra, país, região”: lândia e landa. Aí vem minha pergunta: por que ora usamos um, ora outro? Em Inglês temos Iceland, que deu Islândia em Português, enquanto Ireland deu Irlanda. Por que não Irlândia? O que define o uso de lândia e landa? Outra curiosidade: porque England virou Inglaterra (numa tradução de land por terra)? Por que não virou Inglândia ou mesmo Inglanda? Agradeço pela atenção!”
Rafael S. — Descalvado (SP)
Meu prezado Rafael: há certas regiões da Ásia Menor que fazem até hoje a alegria dos arqueólogos pela riqueza de vestígios de civilizações do passado. Às vezes, uma mesma colina pode conter, em camadas separadas por centenas de anos, as marcas dos diferentes povos que ali viveram. É mais ou menos assim que funciona o Português: palavras formadas em épocas muito diversas convivem nessa imensa colina que chamamos de léxico, todas elas trazendo as marcas do período em que foram criadas. Nas palavras mais antigas, é natural que se encontrem sinais de processos fonológicos e morfológicos que hoje deixaram de atuar, assim como é natural que fenômenos mais recentes não afetem a conformação dos vocábulos já consolidados.
Só nesta perspectiva histórica é que podemos entender as diferentes adaptações que nosso idioma fez com o elemento germânico land, que está presente, nos idiomas anglo-saxões, em dezenas de topônimos. Na variante mais antiga, os falantes do Português simplesmente acrescentaram a vogal temática “a“, dando ao elemento estrangeiro uma feição compatível com nosso sistema silábico: landa. Assim entraram aqui os nomes Holanda, Irlanda e Islanda — este último trocado, mais tarde, pela forma mais moderna Islândia. A partir do séc. XVI, contudo, os falantes foram se inclinando nitidamente para a variante lândia, que continua sendo a preferida até hoje. Além de aparecer em topônimos internacionais como Groenlândia, Tailândia, Suazilândia, Nova Zelândia, Disneylândia, entre outros, esta forma foi empregada na composição de um grande número de cidades brasileiras (conhecidas, como Uberlândia e Açailândia, e nem tanto, como Recursolândia, Retirolândia, Funilândia). Ela também participa de alguns substantivos não necessariamente geográficos. Lembro-te, Rafael, que em 1961 a Elis Regina estreou no vinil com o elepê Viva a Brotolândia, com calipsos e rocks em seu repertório; mais ou menos por essa época, todos os fãs de cinema acompanhavam a vida de seus astros favoritos pelas páginas da famosa Cinelândia, revista que marcou época aqui no Brasil (e que tem o mesmo nome daquele famoso bairro do Rio em que se concentravam os cinemas; não me perguntes quem veio primeiro, se a rua ou a revista).
Duas observações finais: (1) para os nomes geográficos menos conhecidos (ou mais recentes), a praxe tem sido conservar a grafia original, sem alterações: Maryland, Queensland, Auckland. (2) A Inglaterra, como bem dizes, foi o único exemplo de tradução, não de adaptação de land — mas feita pelos normandos, que invadiram as Ilhas Britânicas no séc. 11 e traduziram England como Angleterre — “a terra dos Anglos”. O Português apenas pegou o termo francês e o adaptou. Abraço. Prof. Moreno