Todos os lingüistas consideram normal o fato de um idioma importar vocábulos da língua de outro povo. Um estudo do vocabulário estrangeiro que entrou no Português mostra que a contribuição de cada língua concentrou-se em áreas bem específicas — às vezes, por se tratar de uma característica cultural dominante em determinado povo, às vezes porque circunstâncias históricas nos levaram a importar tecnologia de um país específico. Por exemplo, como os primeiros automóveis comprados por brasileiros vieram da França, acabamos adotando do Francês a maioria de nossos vocábulos automobilísticos (capô, embreagem, derrapar, marcha à ré, chassi). A indústria da informática e a Internet consagraram os termos provenientes do Inglês (software, mouse, modem, download, drive); da mesma forma, como foram os ingleses que introduziram aqui o futebol, é natural que tenhamos adotado vocábulos de sua língua: pênalte ou pênalti (penalty), chute (shoot), futebol (football), craque (crack), time (team), driblar (dribble). Na música clássica e na ópera, no entanto, a língua italiana reina imbatível, e a influência de seu vocabulário é visível em todos as línguas do Ocidente. Além de inúmeros termos técnicos utilizados por quem estuda música seriamente (cantata, intermezzo, sonata, presto, scherzo, staccato, etc.), há uma série de vocábulos italianos que entraram na língua de nosso dia-a-dia pela via musical.
piano — é um adjetivo usual no Italiano, significando “suave”. O nome dado ao instrumento é, na verdade, a redução do nome original, pianoforte (ou piano et forte), traduzido como “suave e forte”, que designa a grande inovação que ele representava na música do séc. XVIII: os cravos, seus antecessores, são instrumentos de teclado com cordas dedilhadas, enquanto o piano, muito mais versátil, usa cordas percutidas por pequenos martelos, permitindo que o intérprete produza sons suaves ou fortes, dependendo do uso dos pedais e da intensidade com que ele toca nas teclas.
maestro — significa literalmente “mestre”. Embora possa ser usado para designar simplesmente um professor da escola, aqui é empregado no mesmo sentido respeitoso que o vocábulo tem nas artes marciais. O termo é muito adequado para nomear o condutor da orquestra, já que ele realmente exerce o comando sobre todos os músicos sob sua batuta. Comparado jocosamente a um “guarda de trânsito musical”, é ele quem determina a entrada de cada instrumento, o andamento da música e a intensidade com que ela vai ser extraída da partitura — e isso, para ser feito, exige um certo autoritarismo e muito pouca democracia.
fiasco — Significa, basicamente, “frasco; garrafa” (aquela garrafinha bojuda coberta de palha, cheia de Chianti, é um bom exemplo de fiasco). Como passou a indicar, também, um fracasso completo, um malogro, um vexame? Há muitas hipótese, mas a mais verossímil é a de que os sopradores dos belíssimos (e valiosos) artefatos de vidro veneziano, ao notarem alguma falha, abortavam a peça que estavam soprando e transformavam o vidro ainda maleável em um simples fiasco — uma simples garrafa. Assim também fica mais fácil de xplicar por que só o verbo “fazer” é utilizado na expressão. Fare uno fiasco teria saído então do ateliê dos vidreiros e passado a ser a expressão de retumbante fracasso em espetáculos de música ou de teatro (veja mais em fiasco).
serenata — Vem do italiano sera, “noite”, e de sereno, adjetivo que indica o céu estável, sem nuvens; deixar uma coisa “ao sereno” era deixar ao ar livre e, portanto, recebendo a umidade que cai do céu noturno. A serenata era uma música apropriada para a noite, geralmente tocada (ou cantada) por um galante cavalheiro sob a janela de sua amada. Embora o termo também designe, tecnicamente, uma peça de música instrumental leve, com predominância de sopros, seu sentido usual ainda é o antigo, evocando violões e vozes suaves que executam músicas bem-comportadas diante da casa de alguém a que se quer agradar.
prima-dona — no italiano, a prima donna (“primeira mulher”) é a principal cantora feminina de uma ópera ou de uma companhia, geralmente soprano. Nos primórdios da ópera, os solistas (a prima donna e o primo uomo) eram tão idolatrados pelo público que terminaram assumindo atitudes temperamentais e caprichosas. Isso explica o valor pejorativo que o termo assumiu, servindo para designar qualquer personalidade pública — ator, cantor, músico ou jogador de futebol — que vive tendo ataques de estrelismo.
libreto — no italiano, libretto quer dizer “livrinho”; no vocabulário musical, designa o folheto (nem sempre tão pequeno assim) que conta o enredo de uma ópera e traz todo o texto que vai ser cantado no palco. Em suma, ele trata de explicar o que está sendo feito e por quê. Sem ele, fica muito difícil para o espectador entender o que está se passando, no meio de todos aqueles cantores gordos com vozes possantes. Como o principal de uma ópera é sempre a música, seu enredo é geralmente primário, cheio de dramas e peripécias de baixa qualidade literária, em que deuses, príncipes, pastores e bandidos falam todos com a mesma linguagem e com os mesmos gestos exagerados.
Depois do Acordo: lingüistas > linguistas