Prezado Professor: por que o minuto, a sexagésima parte da hora, é tão parecido com diminuto e com minuta (de um contrato)? E miniatura, não é da mesma família?
Juarez M. — Natal (RN)
Prezado Juarez, todos, exceto o último, pertencem à imensa família do radical min– (“pequeno; menos”), que já aparece no Latim em minor (“menor”), minus (“menos”) ou minimum (“mínimo”). O nosso minuto veio do adjetivo minutus (“pequeno”): os astrônomos e geômetras da Antiguidade dividiram o grau em 60 partes, designando cada parte de pars minuta prima, “a primeira parte pequena”. Dividindo-a, por sua vez, em 60 partes iguais, estabeleceram a pars minuta secunda, “a segunda parte pequena”, de onde proveio o nosso segundo. Meus leitores não vão deixar de perceber os caprichosos caminhos que a língua tem para eleger seus vocábulos: para designar a unidade obtida com a primeira divisão, ficamos com o adjetivo minuta, e não com o numeral ordinal prima, apesar de haver aqui uma nítida idéia de sucessão. Bluteau, que publicou seu dicionário no século XVIII, informa-nos que “na divisão dos círculos celestes, cada grau tem sessenta minutos, e cada minuto sessenta segundos, e cada segundo sessenta terceiros“). Se a criação lingüística obedecesse à lógica, como querem alguns bois-cornetas, o minuto deveria chamar-se de primeiro…
Portanto, meu caro amigo, não só minuto é irmão de diminuto, como ambos são primos de minúsculo, mínimo, diminuir, minúcia, minuta, e por aí vai a valsa. Quer mais? São também parentes de menu, tanto o do restaurante quanto o do segundo melhor amigo do homem, o computador. O termo veio do Francês menu, que foi buscá-lo também no minutus latino. Sua tradução literal seria miúdo (no Espanhol, quem diria, fica menudo!). Usado inicialmente com o sentido de “detalhe, miudeza”, passou a ser empregado, no séc. XVIII, para designar a relação detalhada e minuciosa dos pratos que compunham uma refeição e, por extensão, a própria folha de papel em que esta lista estava escrita. Como veio do Francês, o delirante movimento dos puristas, no início do séc. XX, incluiu-o na lista negra dos galicismos, propondo, para substituí-lo, a forma cardápio, hoje também amplamente utilizada, que acabou se tornando uma das raríssimas contribuições que aqueles birutas fizeram ao nosso idioma.
Como toda família que se preze, esta também tem um agregado, como o José Dias, do Machado de Assis: foi se aproximando aos poucos, foi filando jantares, convidou-se para as festas familiares e um belo dia já estava participando dos dramas e das alegrias de cada um. Refiro-me a miniatura, que parece vir de minus, mas vem, na verdade, de minium, o nosso mínio, óxido vermelho de chumbo, com que se obtém um pigmento vermelho vivo, muito usado, desde a Antiguidade, na pintura a óleo e a têmpera. Plínio, o Velho, diz que esta rara substância podia ser encontrada na Lusitânia Românica, principalmente nas areias de um rio que até hoje se chama, muito adequadamente, de Minho. Do verbo latino miniare, “decorar com mínio, pintar de vermelho”, o Italiano produziu miniatura, figuras de pequenas dimensões, pintadas com cores vivas — especialmente o mínio —, usadas para adornar a letra inicial dos capítulos dos manuscritos medievais. Era inevitável que a palavra designando essas pequenas figurinhas terminasse entrando, na consciência dos falantes, para a família de mínimo ou diminuir, pois ela satisfaz as duas exigências básicas para se admitir a consangüinidade entre dois vocábulos: além de ter um radical muito parecido fonologicamente, participa do mesmo campo semântico de “pequeno, mínimo”. Por isso, o termo miniatura rapidamente perdeu o seu sentido original e passou definitivamente, a partir do séc. XIX, a ser empregado com o sentido atual de “reprodução reduzida de alguma coisa”. Assim é a etimologia: às vezes descobre parentescos insuspeitados, às vezes desmascara descendências que eram dadas como indiscutíveis. Abraço. Prof. Moreno
Depois do Acordo: consangüinidade > consanguinidade
idéia > ideia