O quatro é um dos algarismos de maior influência no vocabulário do Português. Ele aparece em diversos grupos, associações e séries numéricas que fazem parte de nosso quotidiano: falamos das quatro fases da Lua, das quatro estações do ano, dos quatro naipes do baralho. Quatro são os pontos cardeais, e quatro eram os rios do Paraíso, quando o pai Adão foi expulso. Os boatos são espalhados aos quatro ventos, chegando aos quatro cantos do mundo, apesar de ele ser uma esfera. O Novo Testamento fala dos quatro cavaleiros do Apocalipse, os filósofos gregos baseavam o mundo nos quatro elementos — o ar, a água, o fogo e a terra —, e todos julgam que a sorte lhes sorri quando encontram um trevo que tenha quatro, em vez das três folhas que seu nome originariamente indica. Em muitos vocábulos, a presença de quatro é evidente: o quadrúpede tem quatro pés, o quadrimotor, quatro motores; os quadrigêmeos são quatro, enquanto o quadrimestre reúne quatro meses. Em outros, no entanto, a presença do radical quatro não é tão evidente assim.
cartola — Este chapéu de copa alta e cilíndrica, usado geralmente em conjunto com o fraque, em situações extremamente formais, era chamado originalmente de “chapéu alto”. No entanto, no séc. XIX, como nos ensina Machado de Assis, o espírito popular já o criticava, apelidando-o de chaminé, de canudo ou de cartola, variante de quartola, nome dado a uma medida para líquidos, uma pequena pipa que correspondia a um quarto de tonel, com a qual o chapéu se parecia. Nas caricaturas da imprensa, a cartola, juntamente com o charuto, compõe a figura dos novos-ricos e dos magnatas, passando a denominar, ironicamente, a classe dos dirigentes que enriqueceram administrando clubes de futebol.
quartos — Vem do Latim quartus (“quarta parte”). Como substantivo, referia-se inicialmente ao setor privado de uma moradia (a “quarta parte da casa”), por oposição à cozinha, à sala de visitas e à sala de jantar; hoje serve para designar as divisões da parte íntima (“quarto de dormir”, “quarto de costura”, “quarto de banho”). Na linguagem popular, significa também a parte de uma rês que compreende a perna até a metade do lombo (“quartos dianteiros” e “quartos traseiros”).
esquartejar — Inicialmente, significava separar os quartos de um porco ou de uma rês abatida para o consumo; mais tarde, no antigo sistema penal português, tornou-se uma das formas mais terríveis de pena de morte: amarravam os membros do condenado a quatro cavalos, que puxavam em sentidos opostos, dividindo seu corpo em quatro partes. As autoridades portuguesas, depois de enforcar Tiradentes, espalharam os pedaços de seu corpo ao longo da Estrada Real, para servir de exemplo; como reza seu estranho atestado de óbito, “padeceu morte natural, e lhe foi cortada a cabeça, e o corpo dividido em quatro quartos”…
carrilhão — É um conjunto de sinos de uma torre, afinados em tons diversos, o que permite tocar melodias com as notas produzidas por suas badaladas. A palavra vem do Francês carillon, evolução de quadrillon, do Latim popular quadrilio (“quarteto”), nome que se explica por serem apenas quatro os sinos da formação primitiva. Os carrilhões modernos, no entanto, chegam a ter dezenas de sinos, atingem de duas a seis oitavas e podem ser comandados por teclado ou por um computador.
caderno — Nos livros manuscritos, a folha de papel ou pergaminho, dobrada em dois, formava um fólio, o que representava duas folhas, com quatro páginas para escrever. Dois fólios encaixados formavam um duerno; três, um terno; quatro (portanto, oito folhas, ou dezesseis páginas) formavam um caderno (do Latim quaterno, conjunto de quatro). É evidente que hoje o significado do termo tornou-se mais elástico, servindo para designar conjuntos com diferentes números de folhas. O papel almaço, por exemplo, é tradicionalmente vendido em cadernos de cinco fólios.
quadrilha — Em Portugal e na Espanha, chamava-se de quadrilhas os grupos de quatro cavaleiros que participavam das cavalhadas, jogos eqüestres muito populares a partir do séc. XV, uma versão mais branda dos antigos torneios com lanças que caracterizaram a Idade Média. Daí, por extensão, o termo passou a designar qualquer agrupamento de pessoas com uma atividade comum, até chegar ao sentido exclusivamente criminoso que o vocábulo tem hoje. Embora as quadrilhas de malfeitores variem quanto ao número de participantes, nossa lei penal ainda conserva uma lembrança dessa ligação com o número quatro, ao considerar que uma quadrilha é a associação de “mais de três pessoas”. Curiosamente, com o mesmo nome, na França de Napoleão surgiu uma alegre e movimentada dança da sociedade, em que conjuntos de quatro pares de dançarinos atravessavam o salão em todas as direções — a mesma coreografia que entrou nos Estados Unidos com o nome de square-dance.
quartel — A palavra deriva do Latim tardio quarterium (“a quarte parte de uma povoação; distrito”), o mesmo radical que produziu o Francês quartier. No uso civil, indicava a quarta parte de qualquer coisa; o “primeiro quartel do ano”, portanto, correspondia ao que chamamos de “primeiro trimestre”. No uso militar, designava primeiramente o acampamento temporário de uma tropa em campanha, passando depois a incluir qualquer edifício onde regularmente se alojem forças militares.
Depois do Acordo: eqüestres> equestres