O emprego de obrigado, a nossa mais tradicional fórmula de agradecimento, é o campeão entre as perguntas formuladas pelos leitores. Uns querem saber se o vocábulo tem masculino e feminino, ou se é uma forma cristalizada, invariável; outros não sabem se ele concorda em gênero com a pessoa que está falando ou com a pessoa a quem está sendo dirigido o agradecimento; outros, ainda, perguntam qual a fórmula para responder a quem nos disse obrigado. Este artigo esclarece todos esses pontos, e outros mais.
Do ponto de vista de quem agradece — A palavra obrigado é, na verdade, a parte que aparece de uma frase bem maior, que geralmente fica subentendida quando agradecemos a quem nos atendeu ou nos fez um favor. Quando eu agradeço dizendo obrigado a alguém, estou dizendo, na verdade, que eu me sinto obrigado para com ele, isto é, que passei a ter uma obrigação de gratidão para com o outro. Como vemos, o simples obrigado implica um “fico-lhe muito obrigado“, “tenho uma obrigação para com você“. Os ingleses fazem algo parecido, quando dizem “I am obliged to you for…”. Nosso povo, muito acertadamente, às vezes diz a mesma coisa com o expressivo “Te devo uma”. Obrigado funciona, pois, como um adjetivo, flexionando em gênero e número: obrigado, obrigada, obrigados, obrigadas. Assim sendo, um homem fica obrigado, uma mulher fica obrigada. Isso fica bem claro quando usamos outras fórmulas de agradecimento que também deixam subentendida parte da frase. Homem falando: [fico-lhe] grato, [fico-lhe] agradecido; mulher falando: [fico-lhe] grata, [fico-lhe] agradecida.
Quanto a concordar com quem fala ou com quem se fala, o folclórico Napoleão Mendes de Almeida, no seu Dicionário de Questões Vernáculas, diz, de maneira irretocável: “Não importa que o agradecimento seja formulado a homem ou a mulher; o que importa é quem expressa a gratidão, se mulher ou homem”. E está falado. Há claros sinais, entretanto, de que o sistema que descrevi acima está sendo abandonado pela língua falada. A grande quantidade de perguntas dos leitores sobre o emprego de obrigado revela uma fortíssima tendência de ir, aos poucos, imobilizando a expressão, tornando-a invariável, fixada na forma neutra obrigado o masculino, singular é o neutro de nossos vocábulos nominais). O uso do feminino vai ficando raro, e muito mais rara ficou a ocorrência das formas obrigados, obrigadas, que deveriam, teoricamente, ser utilizadas no agradecimento feito em nome de várias pessoas. Uma boa solução é substantivar a expressão, que vai ficar sempre na forma neutra (repito: masculino, singular), típica de todas as subtantivações (o nove, o amanhecer, o talvez, o ai, o não). “Quero apresentar-lhe meu muito obrigado” serve para homem ou mulher; “queremos apresentar-lhe nosso muito obrigado” serve para homens ou mulheres.
Do ponto de vista de quem responde ao agradecimento — Quando respondo, posso dizer : “por nada”, “de nada”, “não há de quê” — que são, na verdade, respostas à frase completa, pois estou afirmando que o outro não me deve nada pelo que fiz, ou seja, ele não tem por que se sentir obrigado a mim. Outros preferem acrescentar que eles próprios é que tem de agradecer — como os garçons britânicos, que dizem “thank you” quando eles nos trazem o cardápio, o talher extra ou o sal que nós acabamos de pedir. Parece um pouco sem lógica, mas esse costume, que certamente torna o convívio social mais agradável, já chegou em nosso país tropical. Nesse caso, diremos “obrigado a você” (subentenda-se: “eu é que fico obrigado a você”), ou ainda “obrigado, eu” (subentenda-se: “obrigado fico eu”). Acho que não preciso lembrar que obrigado sempre vai concordar com o sexo de quem está falando; portanto, uma mulher diria “obrigada a você” ou “obrigada, eu”.