Prezado Professor: sou um admirador incondicional de tudo quanto escreve no seu site e queria dar-lhe os parabéns pelo excelente serviço que presta a todos quantos usam a língua portuguesa para comunicar. Muito lhe agradecia se me esclarecesse sobre a etimologia da palavra biquíni. Obrigado.
Helder Santos — Portugal
Meu prezado Helder: obrigado pelos cumprimentos; fico desvanecido de ter um leitor entusiasta aí no berço de nossa língua. Quanto à etimologia que solicitas, aí vai: não é novidade que o nome de um lugar termine batizando objetos ou produtos dele provenientes. O damasco recebeu esse nome da famosa cidade da Síria; os havanas legítimos que os personagens de Machado de Assis acendiam após o jantar tinham sido importados de Cuba; o hambúrguer é um bife de carne moída que teria sido concebido em Hamburgo. No entanto, o invencível biquíni, apesar de originário da França, tira seu nome de Bikini, um pequeno atol das Ilhas Marshall, no Pacífico remoto, onde os EUA ingenuamente testaram várias bombas atômicas no período de 1946—1958.
Logo após a 2a. Guerra, Louis Reard, um engenheiro mecânico francês, que herdara da mãe a administração de uma indústria de lingerie, desenhou o primeiro traje de banho de duas peças sumárias. Ele tinha a intuição correta de que o novo modelo seria um sucesso, bem no espírito de euforia e de bem-estar que caracterizou o pós-guerra, e fez seu lançamento num desfile que causou furor, a 5 de julho de 1946. Difícil foi convencer alguém a desfilar com aquele “escândalo”, e Louis Reard terminou apelando para os serviços profissionais de Micheline Bernardi, dançarina que se apresentava nos shows de nudez do cassino de Paris. O traje (e a jovem Micheline) obtiveram um sucesso estrondoso e imediato. Como seu inventor previa, o efeito das primeiras beldades de biquíni foi devastador nas praias de todo o planeta. Ao preparar este artigo, tive uma surpresa ao encontrar a foto de Micheline, muito faceira, vestindo o pai de todos os biquínis: ao contrário do que eu sempre pensara, ele era quase tão diminuto quanto os que hoje alegram o verão brasileiro; dá para imaginar o choque que causou no meio dos pudicos maiôs dos anos 40.
Segundo consta, até poucos dias antes do desfile, nosso inventor não tinha ainda escolhido um nome para sua criação. Confirmando sua grande intuição mercadológica, Reard procurava algo que fosse exótico, sensacional, provocador, bem ao jeito do novo trajinho. A ajuda veio dos EUA, que, quatro dias antes do desfile, detonaram uma bomba atômica (a primeira de uma série) no atol de Bikini. A associação foi imediata: o novo maiô reduzido, que também viria espantar o mundo com seu efeito devastador, ganhou um nome que o ligava aos ensolarados mares do Sul e à incontrolável força dos artefatos nucleares (lembremos que, nessa inocente época, a bomba ainda era vista como um símbolo do progresso, e que o adjetivo atômico ainda tinha uma conotação francamente positiva…).
Naquele tempo em que eu ainda era estudante de Letras, corria na Faculdade uma explicação macarrônica para a origem da palavra, numa etimologia de bar estudantil: “biquíni: vem do Latim, formado por bi– (dois) e quini (pedacinhozinhos de tecido)”. Brincadeira ingênua e saudável de jovens que estudavam Filologia, Lingüística, Latim e (os mais radicais) até Grego. Parece que éramos profetas: quando, anos mais tarde, um estilista resolveu eliminar a parte de cima do conjunto, deu-lhe o nome de monoquíni (todos os dicionários o registram), vocábulo em que o gênio que o criou usou mono (“um”) por oposição ao bi (“dois”) que ele enxergou no biquíni! Estranhos destinos têm as palavras… Um abraço. Prof. Moreno
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