Professor, eu gostaria de saber a origem histórica da palavra doutor. Quem foram os primeiros a usar tal palavra, os juristas ou os médicos?
Cláudio R. V. Montenegro (RS)
Meu prezado Cláudio: o vocábulo DOUTOR vem do Latim docere (“ensinar”). No seu emprego primitivo, na Bíblia, designava aqueles que ensinavam a lei hebraica (os “doutores da lei”); em Lucas 1,46 (na trad. de João Ferreira de Almeida), os pais do Menino Jesus procuraram-no em Jerusalém e “o acharam no templo, assentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os”.
O uso de DOUTOR como título acadêmico, no entanto, começou nas universidades medievais (Bolonha, Salamanca, Oxford, Cambridge, Sorbonne, Coimbra, Upsala) para designar os que tinham conquistado a autorização para lecionar. Esse direito se limitava, primeiro, à sua própria universidade, mas foi estendido, mais tarde, a qualquer outra (com as indefectíveis rivalidades e picuinhas que duram até hoje).
Primeiro houve os doutores em Direito (doctores legum), depois em Direito Canônico (doctores decretorum) e, já no séc. XIII, em Medicina, Gramática, Lógica e Filosofia. No séc. XV, Oxford e Cambridge começaram a conferir também o doutorado em Música. Os antigos doutorados em Direito e Medicina certamente explicam o uso popular, tanto no Brasil como em Portugal, do tratamento de doutor para os médicos e advogados. Outro resquício medieval é o título de Doutor Honoris Causa (“por motivo honorífico”), concedido a qualquer personalidade que uma determinada universidade queira homenagear, tenha ou não formação acadêmica.
Independentemente do sentido acadêmico (que implica necessariamente a defesa de uma tese de doutoramento), uma indiscutível aura de respeito e deferência cerca o vocábulo DOUTOR, como podemos ver nos reflexos que deixa no vocábulo douto, que designa o erudito, o sábio, o profundo especialista em determinada área. Por outro lado, o pedantismo e a atitude aristocrática de alguns doutores explica também por que chamamos de “tom doutoral” aquele tom sentencioso, muitas vezes pedante, de quem pensa que está dando lições de sabedoria. Abraço. Prof. Moreno
P.S.: quanto ao uso do título de DOUTOR, sugiro que leias o que escrevi em eu também quero ser doutor! Eu acrescentaria àquele texto uma observação assaz interessante, que constitui mais um motivo para o uso popular, não-acadêmico deste título: quando me dirijo a um médico ou a um advogado, não posso dizer “O que o senhor pensa disso, médico Fulano?”, ou “Gostaríamos que participasse das negociações, advogado Beltrano”. Nestes casos, o vocábulo doutor, usado mais como forma de tratamento, passa a ter um valor inestimável.