capicua

Os orgulhosos filólogos catalães nos asseguram que a palavra capicua nasceu em Barcelona, no final do século XIX, para designar os números que podem ser lidos indiferentemente da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, como 252, 1881, 31513, 245542, por exemplo. A Matemática, que vem estudando esses números desde a Grécia Antiga, chama-os pelo respeitoso nome de palíndromos, à semelhança dos palíndromos da linguagem — vocábulos ou frases inteiras que podem ser lidas em qualquer direção, como Ana, mirim, reler, luz azul ou seco de raiva, coloco no colo caviar e doces. Palíndromo é um belo nome, imponente, preciso, daqueles que diz tudo o que necessitamos saber, pois reúne palin e dromos (em Grego, “de novo, em sentido inverso” e “correr”); era, no entanto, um vocábulo sisudo demais para as pessoas do povo de Barcelona, que nada sabiam de Grego, mas acreditavam que encontrar um número desses nos bilhetes dos bondes era um indiscutível sinal de bom agouro. Por isso, foi cunhado o vocábulo capicua, composto de “cap+i+cua” — literalmente, “cabeça e cu”, em Catalão —, termo que teve ampla aceitação no Espanhol, mas escassa penetração no nosso idioma, ao menos no Brasil.

Por estar ligado semanticamente à idéia de “inversão”, logo começou a ser empregado em situações bem mais concretas que a Numerologia. Chama-se de capicua, por exemplo, a jogada decisiva de uma partida de dominó em que a pedra vencedora pode ser colocada em qualquer um dos extremos; ou o par de selos impressos de tal forma que um está invertido em relação ao outro (que os franceses chamam pelo elegante nome de tête-bêche); ou, numa receita de grelhados (“carne capicua”), um espetinho em que se enfiam pedaços de carne, cebola, tomate, carne, cebola …; ou, como informa meu Houaiss, uma forma politicamente incorreta (mas engenhosa) de nomear os bissexuais. Mais próximo de nós, a Argentina há pouco lutava contra a herança de Menem, o presidente capicua, que veio contrariar a vocação sortuda dos capicuas, para o azar de nossos vizinhos. Há alguns anos, quando ainda havia jornalistas argentinos com disposição para fazer humor, um discurso de Menem foi assim descrito: “As velhas palavras do General Perón — Primeiro está a Pátria, depois o Movimento e, por último, os homens! —foram traduzidas em capicua, pois Menen deixou claro em seu discurso que agora primeiro estão os homens, depois o partido e, por último, a pátria”.

De qualquer forma, ainda persiste esta superstição de que os capicuas são indicadores de boa sorte, principalmente no que se refere a datas. Muitos achavam que devia ser especial o dia 20.02.2002, um capicua dos grandes; se foi ou não, para eles, não posso saber. Lembro apenas aos supersticiosos que a cada dez séculos ocorrem apenas dez anos capicua; 2002 foi o primeiro do novo milênio, e, sinto informar, é o último que veremos: o próximo só vai ocorrer no longínquo 2112, quando todos nós já teremos passado desta para uma melhor.