É muito comum, para quem se aventura a estudar a etimologia de um idioma, encontrar palavras que, num determinado momento, adquirem um significado muito diferente do significado primitivo. É claro que sempre gostaríamos de saber por que foi assim; em alguns casos, dá até para fazer razoáveis conjecturas sobre sua motivação. Por exemplo, o vocábulo catarata já era usado no Latim com o significado de “grande queda d’água”, projetada de um precipício; os romanos o utilizaram para descrever, por exemplo, as famosas Cataratas do Nilo. Do Latim, entrou no Inglês, no Francês, no Espanhol e no Português, conservando o mesmo sentido.
A partir do séc. XVI, no entanto, começou a ser empregado também para designar a conhecida doença ocular em que o cristalino do olho vai ficando cada vez mais opaco, até adquirir uma aparência esbranquiçada. Embora seja hoje difícil encontrarmos doentes nesse estágio avançado, era padrão, na Medicina do passado, que o doente ficasse esperando por anos, numa semicegueira, até que a catarata ficasse “madura” para ser operada. É razoável acreditar que o nome catarata tenha sido dado por analogia entre o véu da água que cai e esse progressivo aspecto enevoado do olho enfermo.
Já com fiasco estamos no mato sem cachorro. A palavra vem do Italiano, onde significa, basicamente, “frasco; garrafa” (aquela garrafinha bojuda coberta de palha, cheia de Chianti, é um estimulante exemplo de fiasco) . Como passou a indicar, também, um fracasso completo, um malogro, um vexame? Aí é que a imaginação fica solta! O American Heritage diz que fiasco seria a tradução do Francês bouteille (garrafa), termo da gíria teatral que era usado pelos franceses para designar os erros de linguagem cometidos pelos atores italianos nos palcos da França do séx. XVIII; estes pobres atores, humilhados, falavam tanto de “faire bouteille” que teriam levado a expressão para o Italiano, onde foi transposta como fare fiasco. Com o espírito-de-porco característico desta página, eu me pergunto se o caminho não foi o inverso: os italianos já usavam a expressão fare fiasco como uma metáfora para um mau desempenho, e os franceses apenas a traduziram e a aplicaram ao teatro…
Outros dizem que a expressão nasceu de uma infeliz performance teatral no séc. XVII. O célebre ator bolonhês Domenico Biancolelli, famoso por seus papéis de Arlequim, vangloriava-se de improvisar apresentações cômicas tendo por tema qualquer objeto que tivesse nas mãos. Uma dada noite ele apareceu carregando uma garrafa (eis que entra em cena o nosso fiasco!), mas não conseguiu produzir nada sobre o tema que fizesse o público rir, ao que teria exclamado “É tua a culpa, fiasco!”, espatifando, a seguir, a garrafa no chão, mas criando uma expressão que seria imorredoura. Aqui entre nós: essa é bem ruinzinha! Vou concordar com Brewer (do inestimável Brewer’s Phrase & Fable), que também torce o nariz para essa história por achar pouco provável que um improvisador do quilate de Biaconlelli não conseguisse extrair situações engraçadas a partir de um objeto tão sugestivo como uma garrafa vazia!
A hipótese mais verossímil (ou menos fantasiosa?) é a de que os sopradores dos belíssimos (e valiosos) artefatos de vidro veneziano, ao notarem alguma falha, abortavam a peça que estavam soprando e transformavam o vidro ainda maleável em um simples fiasco — uma simples garrafa. Assim também fica mais fácil de explicar por que só o verbo fazer é utilizado na expressão. “Fare uno fiasco” teria saído então do ateliê dos vidreiros e passado a ser a expressão de retumbante fracasso em qualquer atividade (até mesmo entre os lençóis), principalmente quando se criaram grandes expectativas.