etiqueta

Como naqueles sentimentais programas de TV, a Etimologia consegue, muitas vezes, reunir irmãos que estavam separados há muito tempo. São cenas que deviam ter sido descritas pelo Nelson Rodrigues: debaixo de nossos olhos, o vocábulo rubrica finalmente reencontra rubro (as rubricas eram feitas, outrora, com tinta vermelha) — e aplaudimos, encantados, com uma lágrima no canto do olho; as câmeras mostram broche, nome antigo do “botão”, abraçando o desabrochar das flores e meninas em botão — e quase derrubamos o estúdio, pateando com entusiasmo. E por aí vai. Dá para imaginar que, se fossem gêmeos, iríamos subir pelas paredes como as lagartixas amestradas do Nelson…

Pois esse é o caso das etiquetas. A etiqueta das boas maneiras convive com a etiqueta pregada na camisa ou no casaco; olhamos para as duas, idênticas, mas abanamos a cabeça: não, não podem ser da mesma família, pois o significado de uma nada tem a ver com o significado da outra. O nosso raciocínio está correto, pois se baseia em um princípio fundamental das relações entre as palavras: para pertencer à mesma família vocabular, é condito sine qua non que X e Y (1) apresentem uma semelhança fonológica (o som delas deve ser parecido) e (2) compartilhem do mesmo valor semântico (o significado delas deve estar relacionado). Sol e soldado atendem à condição (1), mas falham na condição (2) — o significado mostra que pertencem a famílias distintas. Belo e bonito, por sua vez, apesar de compartilhar do mesmo valor semântico, deixam de atender à primeira condição. Nas etiquetas, apesar de ser notável a semelhança do som, não encontramos nenhuma relação de significado e concluímos que não existe parentesco — e aí entra a Etimologia, descobrindo aquilo que o tempo acabou deixando encoberto.

A palavra etiqueta veio do Francês etiquette (antigo estiquete), que designava, como hoje, um pequeno pedaço de papel escrito que era afixado a um saco ou a um pacote para identificar o seu conteúdo. Seu uso primitivo era nos sacos de dinheiro, nos grandes maços de papéis, nos fardos e nas trouxas de roupa. Com o desenvolvimento da indústria têxtil, a partir do séc. XIX, passou a figurar também em cada peça de roupa, a fim de idenficar o seu fabricante. É desse vocábulo que vai sair, mais tarde, o Inglês ticket (o nosso tíquete).

Durante o Absolutismo na França, a burguesia emergente começa a abrir seu caminho até a corte e a aproximar-se, de maneira tímida, das altas cabeças coroadas. Para que não se infringissem as complicadas normas de conduta no palácio — com toda aquela imensa teia de títulos de nobreza e de posições hierárquicas, com normas que regravam o comportamento diante do banho do rei, do almoço do rei, do passeio do rei e até mesmo da real evacuação —, era entregue aos visitantes um bilhete — uma etiquette — para indicar qual a conduta adequada para a ocasião. Daí bastou pouco para que o vocábulo passasse a designar um código de boas maneiras para a vida em sociedade. Gostei muito de saber que as duas etiquetas eram mesmo gêmeas; esse é um prazer simples, mas insubstituível, que as palavras me proporcionam todos os dias.