Caro Professor Moreno, eu gostaria de saber a verdadeira, se possível for, origem da palavra gringo. Um abraco de Miami Beach”. Hugo Caproni — EUA
Meu caro Hugo: posso perceber, pela escolha cuidadosa das tuas palavras (“se possível for”), que já andas meio escaldado com as fantasiosas teorias a respeito da origem desta palavra. Como já escrevi alhures, a Etimologia é um ramo onde a imaginação muito facilmente substitui a pesquisa e o estudo, produzindo — o que é o mais perigoso — hipóteses que são muito mais atraentes que a feia, mas necessária, realidade. Na internet, até por causa do esmagador predomínio de páginas escritas em Inglês, são incontáveis as páginas que trazem essas etimologias de almanaque, tolinhas e divertidas, que se alastram mais rapidamente que o vírus da moda. Gringo está presente em quase todas elas.
Como os mexicanos costumam (ou costumavam) chamar os norte-americanos de gringos, nada mais natural, para os ingênuos etimólogos amadores daquele país, que imaginar que a palavra tivesse sido criada especialmente para eles. Para uns, delirantes, as tropas estado-unidenses que entraram na guerra méxico-americana, na primeira metade do séc. XIX, usariam uniformes predominantemente verdes (green, em Inglês), o que propiciou aos mexicanos enfurecidos a oportunidade de gritar “Green, go!” (/grin go/), algo assim como um improvável “Vão [embora], Verdes” — felizmente substituído, no séc. XX, pelo tradicional “yankees, go home“.
Outros preferiram seguir uma vereda musical, mas não menos delirante: segundo esta versão, os soldados de Tio Sam, prenunciando assim o famoso Coro do Exército Vermelho, da extinta URSS, costumavam cantar em uníssono, à volta das fogueiras do acampamento, uma canção muito em voga na época, cujo refrão era “Green grow the lilacs“; ora, nada mais natural que os nativos passassem a usar a designação pejorativa de “green grow” (/gringro/) para aqueles surrealistas soldados cantores. Daí para /gringo/ era um pequeno passo…
O que esses lingüistas de meia-tigela não fizeram foi dar uma olhadinha num bom “amansa-burro” em Espanhol. O Dicionário da Real Academia Espanhola (o vetusto DRAE) ensina que o termo gringo está documentado desde 1787, meio século, portanto, antes das hostilidades entre o México e os EUA. Gringo seria uma corruptela de griego (“grego”), usada para designar qualquer língua exótica e difícil de entender. Com o tempo — que é o pai dos significados —, passou a indicar também o falante dessas línguas incompreensíveis. Segundo o DRAE, em Málaga o termo designava qualquer estrangeiro que tivesse dificuldade com a língua espanhola, enquanto em Madri era usado especificamente para os irlandeses.
Essa explicação, além de estar registrada em documentos literários, apresenta uma lógica mais aceitável. Afinal, a utilização do Grego como uma metáfora para o estranho e o incompreensível vem de muito longe: a expressão graecum est, non legitur, ou graeca, non leguntur (algo assim como “é grego; não pode ser lido”), era usada pelos eruditos da Idade Média como anotação às passagens escritas em Grego que encontravam nos textos latinos, já que, como é sabido, o Grego praticamente não era lido, nem conhecido pelos autores da Igreja medieval. Assim mesmo, eu a aceito cum granum salis (“Com uma pedrinha de sal”, o que significa, em vernáculo, “com um pé atrás”), porque ainda não vejo muito bem como, fonologicamente, /griego/ possa ter se transformado em /gringo/. De /griego/ para /grigo/ não é difícil, porque o mesmo parece ter acontecido em /priessa/:/prisa/ (“pressa”); resta explicar como surgiu aquela nasalização do /i/, o que, espero, alguém há de fazer (se é que já não fez).
O significado de gringo tem variado de lugar para lugar; o excelente Houaiss registra que, no Brasil, o termo se aplica a “indivíduo estrangeiro, especialmente quando louro ou ruivo, diferente do padrão mais encontradiço no país”, ou, com conotação mais pejorativa, a qualquer indivíduo estrangeiro, especialmente quando não fala o Português. Carlos Teschauer, no Novo Dicionário Nacional, define gringo como o estrangeiro em geral, menos o português e o hispano-americano. No Rio Grande do Sul, cuja linguagem conheço muito bem, é usado especialmente para os italianos e seus descendentes, e imagino que, em outras regiões, possa referir-se a outras etnias. Se essa não é a “verdadeira origem” do vocábulo, como querias, meu caro Hugo, é ao menos a mais provável até hoje. Abraço. Prof. Moreno