Estranho destino têm as palavras! Começam significando uma coisa e podem terminar dizendo exatamente o contrário. O caso de handicap, ao ser trazida do Inglês para a nossa língua, é um exemplo desses caprichosos desvios semânticos. Na Inglaterra, o vocábulo já é registrado no séc. XVII, indicando uma curiosa forma de arbitrar ofertas de troca entre itens de valor desigual. Por exemplo, Fulano propunha dar sua adaga em troca do casaco de pele de Beltrano. Caso este tivesse interesse na troca, era necessário estabelecer quanto em dinheiro Fulano teria de acrescentar à sua oferta para que o negócio ficasse justo. Os dois então escolhiam um árbitro, e todos os três casavam uma quantia simbólica dentro de um chapéu ou gorro (em Inglês, cap). Fulano e Beltrano colocam a mão dentro do chapéu (hand in cap) e ficam aguardando a decisão do árbitro, que ia dizer quanto ele achava que o casaco valia mais que a adaga. Ouvida opinião do árbitro, as partes, para revelar se aceitavam ou não concluir a transação, retiravam, ao mesmo tempo, as mãos de dentro do chapéu: a mão fechada significa sim, a mão aberta significava não. Se os dois davam a mesma resposta (ou ambos mostravam a mão aberta, ou ambos mostravam a mão fechada), o árbitro ficava com o dinheiro do depósito, que era a sua recompensa pela arbitragem corret que tinha feito. Se os dois discordavam, o dinheiro ia para aquele que tinha manifestado interesse em confirmar a transação.
Tratando-se da Inglaterra, pátria dos apostadores, logo este costume evoluiu para as apostas de cavalos: um árbitro decidia quanto peso extra o cavalo mais veloz deveria carregar para compensar sua superioridade sobre o oponente: um handicap. Já no século XIX o vocábulo passou a denominar qualquer dificuldade ou deficiência que prejudique uma pessoa em sua vida normal – seja física ou mental. O transporte coletivo inglês geralmente reserva lugares especiais para os handicapped — os mesmos lugares que nós reservamos para deficientes. Os franceses importaram o vocábulo handicap (dele derivando, inclusive, o verbo handicaper), exatamente com esse sentido de desvantagem, inata ou adquirida, que deixa uma pessoa em inferioridade. Nessa significação de deficiente, o vocábulo está pouco a pouco sendo abandonado por ambos os idiomas, certamente por sua conotação pejorativa. Ainda assim, encontramos na Internet milhares de associações de handicapped (crianças, trabalhadores, esportistas, etc.).
No Português, o vocábulo entrou com o sentido originário de desvantagem (ou vantagem que tenho de dar ao outro para que a aposta fique parelha). Contudo, por um curioso efeito de reversão, logo passou a significar exatamente o contrário: vantagem. Embora o Aurélio traga a correta definição, as pessoas em geral optam pelo sentido de “vantagem”. Quando dizem “sua formação é seu grande handicap”, na maioria das vezes querem dizer que ele teve uma excelente formação, que vai deixá-lo em posição vantajosa. Ora, isso torna inútil essa palavra (a não ser nos vocabulários específicos do turfe, do golfe, etc., onde seu significado não suscita dúvida), quando não perigosa: eu, que conheço o seu verdadeiro significado, nunca sei como é que aquele que me ouve (ou aquele que me fala) registrou a palavra em seu vocabulário. Deixei de usá-la; e, quando alguém a usa comigo, sempre dou uma conferida: vantagem ou desvantagem?