histeria

Quando analisamos os componentes de um vocábulo, não raro desenterramos uma nuança insuspeitada, que vem à luz como uma esmeralda no garimpo. O significado de nostalgia ficou muito mais denso para mim quando percebi que vem de nostos (em Grego, “retorno para casa”) mais algia (“dor, aflição”) — o suave sofrimento que nos traz a lembrança das coisas passadas, da casa irremediavelmente perdida. Há ocasiões, contudo, em que essa análise etimológica só nos traz ecos da insciência ou das superstições de nossos antepassados. Um exemplo já clássico é o da histeria. Não foram poucos os que disseram que só mulheres poderiam ser histéricas e que era rematado absurdo falar-se em histeria masculina, uma vez que, etimologicamente, o vocábulo vem de hyster, Grego para “útero”. Ora, isso é raciocinar ao contrário. O vocábulo não nos diz nada sobre a doença, mas sim sobre o estágio da Medicina na época em que o nome foi cunhado, muitos e muitos séculos antes de Freud. Antes de Freud e Charcot, acreditava-se que os sintomas descritos como histéricos eram causados por uma mirabolante migração uterina, estando assim a doença anatomicamente vinculada às mulheres. Expressando o conhecimento de sua época, Platão explica, com seriedade, que o útero provoca nas mulheres um vivo desejo de gerar filhos; quando vão passando as épocas férteis e não se dá a concepção (geralmente por falta de contato sexual…), este útero desapontado “começa a irritar-se perigosamente; ele se agita em todas as direções, no corpo da mulher, obstrui as passagens de ar, impede a respiração e inflige ao corpo os piores sofrimentos, ocasionando doenças de todos os tipos”. Aí está a fonte da crendice popular de que a histérica precisa mesmo é de um bom macho… 

Hoje a maioria dos estudiosos da área Psi (psicanalistas, psiquiatras, psicólogos, etc.) desvincula a doença da esfera biológica e prefere estudá-la na esfera da mente, podendo, assim, falar de homens histéricos (não só no sentido popular do termo — de pessoa nervosa, irritadiça, propensa a ter ataques —, como especialmente no sentido clínico). O vocábulo claramente perdeu qualquer relação com o significado de seus componentes.

Da mesma forma, para nossos antepassados, o que causava a malária eram os ares parados dos pântanos (do Italiano mala+aria: “mau ar”) — isso antes da Humanidade saber que existiam protozoários responsáveis pela doença, e que um simples mosquito podia ser o seu agente transmissor. O vocábulo nada revela sobre a verdadeira enfermidade, mas servirá sempre para nos lembrar quanto tempo levamos para descobrir os microorganismos. Espero que os exemplos de histeria e malária sirvam de alerta para aqueles que pensam que o retorno ao significado inicial de um vocábulo, ao seu étimo, sempre nos aproxima de uma verdade originária.