Prezado Professor: uma amiga que morou em New Orleans disse-me que descobriu a origem do nosso esquisito termo inhapa. Segundo ela, vem do Inglês lagniappe, usado também para chamar aquele algo a mais que nos dão de presente numa transação comercial. Eu não entendo muito de Lingüística, mas esta história não me convenceu. Ouço esta palavra desde pequeninha (tenho quase setenta anos); fui criada em cidade pequena, numa família modesta, e não vejo como pudéssemos falar inhapa por influência americana.”
Catarina S. L. — Rio de Janeiro
Prezada Catarina, tua intuição está correta: nós não recebemos este vocábulo dos americanos; tanto eles quanto nós fomos buscá-lo numa fonte comum, como veremos. O que tua amiga viu em New Orleans realmente existe: os dicionários dos EUA registram a palavra lagniappe — cada vez mais difundida entre os estados do Sul —, para designar a vantagem que o comerciante dá aos fregueses a quem ele quer agradar. O termo apareceu na linguagem típica da Louisiana, que sofreu forte influência da colonização francesa. É muito conhecido o elogio que Mark Twain fez deste vocábulo, em 1883, no seu A Vida no Mississipi: “É uma bela palavra, que por si só justificaria uma viagem a New Orleans”. No entanto, os mesmos dicionários têm o cuidado de informar que lagniappe foi tomado de empréstimo ao Espanhol la ñapa (pronuncia-se /lainhapa/) “presente, acréscimo”.
Aí está a fonte do vocábulo — a América Espanhola, que tem contato ao Norte com os EUA, e ao Sul com o nosso imenso Brasil. Exatamente por isso o vocábulo ingressou no Inglês dos americanos e no Português dos brasileiros, sendo desconhecido no Inglês e no Português dos europeus. Ele nasceu no Quíchua (a língua principal do Império Inca), que já nos forneceu vocábulos usuais como charque, lhama, mate, condor, entre outros. Inhapa veio do verbo yapay, “acrescentar, agregar, adicionar”, que formou o substantivo yapa “aumento, acréscimo” e, por extensão, “presente”. No Espanhol, ingressou de duas formas: yapa (Argentina, Uruguai, Chile) e ñapa (Colômbia, Venezuela, Caribe). Além de significar “aquilo que o vendedor dá de presente ou de quebra ao comprador” (Houaiss), a expressão passou a indicar, de forma mais ampla, qualquer benefício inesperado, qualquer vantagem que se venha a ganhar. “O curso de Francês em Paris foi excelente; de inhapa, conheci uma pessoa que se tornou muito importante para mim”; “Na minha página, vocês vão encontrar todos os textos que devem estudar para a prova; de inhapa, ainda pus ali a tradução completa do artigo sobre Platão”. Uma clínica de transplantes do Chile fala da “vida de inhapa que os pacientes ganham, ao implantar novos órgãos” … Friso apenas que este vocábulo — assim como todos aqueles que trazem forte carga regionalista — não é muito adequado para textos formais. Abraço. Prof. Moreno
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