O casamento é a mais controvertida instituição humana. Ao lado dos que acreditam nele e torcem para seu sucesso, há uma multidão de desiludidos que só vêem nele engano e desilusão. Talvez a opinião definitiva tenha vindo do famoso filósofo Sócrates, que dizia: “Um homem deve decidir livremente entre casar ou ficar solteiro; afinal, vai terminar se arrependendo do mesmo jeito”. Veja, a seguir, o que nos revela a etimologia das palavras relativas ao casamento.
solteiro — Vem do latim solitarius, “só”, que também produziu o nosso solitário. Nos dias atuais, em que impera o politicamente correto, os dicionários definem o termo como “aquele ou aquela que ainda não casou”. Nosso primeiro grande dicionarista, o padre Bluteau (séc. XVIII), no entanto, ainda podia dizer inocentemente que solteiro era “a mulher e o homem que não são casados, e, como tais, vivem soltos e livres do jugo do matrimônio”. Como se vê, uma opinião nada favorável do casamento.
aliança — Vem do latim alligare, “compor, ligar-se a”. Já no português medieval significa um comprometimento mútuo, seja no sentido religioso, político ou jurídico. Na tradição bíblica, houve duas Alianças entre Deus e os homens: o Novo Testamento corresponde ao cristianismo (a Nova Aliança), enquanto o Antigo corresponde ao judaísmo (a Antiga Aliança). Acredita-se que o povo judeu transportava, em seu êxodo, uma arca com as Tábuas da Lei que Moisés recebeu no Monte Sinai, contendo os Dez Mandamentos — a legendária Arca da Aliança, que Indiana Jones encontra no filme Os Caçadores da Arca Perdida. A partir do séc. XIII, aliança passa a significar também “laço matrimonial que une duas famílias”, até que, alguns séculos depois, assume o seu significado atual de “anel de casamento”.
casamento — Vem de casar, curioso verbo que, ao que tudo indica, veio mesmo de casa, como se depreende pela antiga regência com que este verbo era empregado: no antigo sistema patriarcal, os pais casavam os filhos (em oposição a hoje, em que os filhos se casam), porque para isso eles tinham de ceder uma parte de sua propriedade (casa e terras) para o sustento e a moradia da nova família. Portanto, o antigo provérbio “quem casa, quer casa” não seria, como muitos pensam, um simples trocadilho para indicar que o novo casal precisa de privacidade, mas um resquício do antigo costume medieval.
núpcias — É uma daquelas palavras que só empregamos no plural (como parabéns, condolências ou pêsames). Vem do latim nubere, “casar”, de onde se derivou nuptiae, “bodas”; refere-se, portanto, ao momento em que o casamento é contraído, o que nos permite falar em marcha nupcial, noite de núpcias, leito nupcial. Na Biologia, emprega-se vôo nupcial para o vôo do acasalamento dos insetos.
celibatário — Vem do latim caelebs, “solteiro”. Inicialmente, o termo designava apenas a pessoa que, por sua própria vontade, preferia não casar, muitas vezes por um voto religioso. Era com este significado que o termo aparece nos textos do cristianismo primitivo, quando ainda se discutia se os padres deviam ou não constituir família. Só mais recentemente é que o conceito de celibatário passou a incluir também a abstinência sexual. Quando usado com referência a não-religiosos, volta ao seu significado primitivo: solteiro, mas não necessariamente casto.
lua-de-mel — Há duas versões para sua origem: a primeira é que a expressão se refere ao antigo costume celta de fazer os recém-casados passarem um mês bebendo hidromel (uma espécie de vinho feito de mel). A outra, bem mais provável, atribui-lhe uma origem árabe, como o fez Voltaire, em sua obra Zadig: para assinalar a implacável deterioração que o tempo impõe à vida dos casais, afirma que a lua-de-mel é seguida pela lua-de-absinto (bebida muito amarga, feita à base de losna) — o mesmo efeito de contraste que a sabedoria popular obtém quando afirma que a lua-de-mel é seguida pela lua-de-fel.
bígamo — Do grego bi, “dois”, e gamos, “casamento”. O bígamo mantém dois casamentos simultaneamente, o que é crime no Brasil e nos demais países do Ocidente. Não deve ser confundido com o dígamo, que casa pela segunda vez, ou por ter-se divorciado do primeiro cônjuge, ou por ter enviuvado — o que não constitui crime, mas, no dizer do irônico Dr. Johnson, “é o triunfo da esperança sobre a experiência”.
concubina — Vem do latim concumbere, “deitar-se com”. Entrou no Português apenas na forma feminina, para designar a mulher que ia para a cama com um homem sem estar casada com ele — ou, como diz o dicionário de Morais (1813) uma mulher “amiga de um só, que não é prostituta”. A linguagem jurídica utiliza-a no sentido técnico de mulher que vive maritalmente com um homem, sem estar casada. Na linguagem popular, no entanto, o termo adquiriu conotações pejorativas, o que explica por que ele é muito pouco usado para falar das pessoas que vivem juntas, como marido e mulher — prática que se tornou extremamente comum no Brasil da segunda metade do séc. XX. No seu lugar, prefere-se, geralmente, companheiro e companheira.
divórcio — Vem do latim divortium, “separação”, derivada de divertere, “tomar caminhos opostos, afastar-se”. Além de ser usado para designar o rompimento do casamento civil, o vocábulo aparece na interessante expressão divortium aquarum, “separação das águas” — a linha a partir da qual as águas correntes tomam direções opostas — conceito adotado para determinar fronteiras geográficas em regiões onde não há outros pontos de referência. Este foi um dos critérios sugeridos à Argentina e ao Chile para fixar suas fronteiras nos Andes: uma linha virtual baseada no ponto em que se dividem os rios que deságuam no Atlântico e os que deságuam no Pacífico.
Depois do Acordo: vêem > veem
vôo > voo