Eu poderia jurar que, na minha longa vida de leitor, o que eu sempre vi escrito foi “vivendo e aprendendo”, uma das tantas expressões proverbiais que realçam o valor da experiência para nosso aprendizado – uma versão mais ritmada da velha frase “vivendo é que se aprende”. Eis que um dia desses, percorrendo ao acaso o Tesouro da Fraseologia Brasileira, do Antenor Nascentes, dou com os olhos em “morrendo e aprendendo”! Como Nascentes é um dos grandes da minha galeria, baixei as orelhas e fui, humilde, mastigar o feno na sua manjedoura.
Segundo antiga tradição portuguesa, um velho camponês, muito pobre (daquela pobreza das fábulas), jaz em seu leito de morte, rodeado pelos filhos chorosos. O velhinho, angustiado, sente que vai morrer sem ter entre as mãos a vela tradicional, o lume que guia as almas que desencarnam, mas a choupana é tão, tão pobre que não lhe resta nem um coto de vela. O filho mais novo, sentindo a aflição o pai, vai até a lareira e traz, na pá, uma boa brasa bem viva e um pouco de cinza. Cobre a mão de seu pai com as cinzas e depõe sobre elas a brasa, que, dessa forma, não lhe queima a pele. O velho, surpreso com a solução, exclama: “Morrendo e aprendendo!” — o que se traduz como “até na hora da morte estamos aprendendo!”. A história foi esquecida; com isso, o verbo morrer da expressão foi perdendo sua razão de ser e o povo o substituiu por viver. Se antes a expressão significava que a vida é um eterno aprendizado, chegou a nossos dias com um novo sentido: o de que a experiência é a grande fonte de nosso conhecimento. Qual das duas versões exprime o que senti ao fazer esse achado? Com certeza, “morrendo e aprendendo” — que é, agora me dou conta, a forma proverbial do conhecido “morro, mas não vejo tudo!”.