Câmara Cascudo registrou a antiga tradição brasileira de dar nomes de peixe ao cachorro, a fim de protegê-lo da raiva canina. Por isso abundava, no interior do Brasil, cachorro chamado Piranha, Cação, Toninha, Tubarão, Siri. Aqui no Sul já vi Tainha, Lambari, Jundiá. É evidente que a biologia popular considerava peixe tudo o que estava no mar; daí a Toninha (outro nome para o boto) e o Siri estarem incluídos na relação. O exemplo mais famoso desse elástico conceito é um dos dois cães imortalizados na nossa literatura, ao lado do Quincas Borba machadiano: a simpática cadelinha Baleia, de Vidas Secas.
No velho e bom Morais (ed. de 1813), a baleia é descrita como ” peixe marinho muito grande; tem a boca quase na testa, o coiro negro e duro, grandes barbatanas, mamas, e é vivípara; solta de tempos a tempos grandes espadanas de água, que jorram muito alto”. Peixe com mamas… De qualquer forma, a baleia é, até hoje, considerada peixe por grande parte de nosso povo. Quando se fez uma campanha para a comercialização e consumo da carne de baleia, lá nos anos 50, levantaram-se discussões sobre comer ou não comer esta carne na Sexta-Feira Santa. Isso é Brasil; isso somos nós.