Prezado Doutor: eu gostaria de saber se a frase “O povo brasileiro SOMOS patriotas” está correta. Grato.
José Neto.
Meu caro José: o processo de concordância verbal é extremamente simples em nosso idioma: sujeito no singular, verbo no singular; sujeito no plural, verbo no plural. Como na tua frase o sujeito é o povo brasileiro — terceira pessoa do singular —, a concordância usual é “O povo brasileiro é patriota” — simples assim. No entanto, podemos, em ocasiões muito especiais (e bota ênfase nesse “muito”!), quebrar essa correspondência entre a marca de número e pessoa que o sujeito ostenta e a marca de número e pessoa que o verbo dele deve copiar. Nesses casos, desprezamos o que a forma gramatical do sujeito determina e preferimos levar em consideração os traços de número e pessoa que estão implícitos no seu significado. É a velha concordância ad sensum (“pelo sentido”), descrita em nossas gramáticas tradicionais com o nome de silepse ou concordância ideológica. Desta forma, aproveitamos para realçar nosso pertencimento (não está ainda nos dicionários, mas vai entrar na próxima edição) ao povo brasileiro, usando a primeira pessoa do plural: “Os brasileiros somos“.
O efeito é muito esquisito, mas a construção aparece em autores clássicos, o que nos assegura que pode ser usado sem grandes reclamações. Todavia, como certas substâncias perigosas, o limite entre a dose adequada e a dose mortal é muito tênue. Sei que não pediste, mas dou-te um conselho: evita! Se no início alguns (poucos) escritores bons souberam usá-lo com adequação, logo, logo este recurso passou a ser de gosto extremamente duvidoso, pois os maus escritores (eram tantos!) do final do século XIX e do início do século XX gostavam de exibi-lo como sinal de domínio (!) do idioma — algo assim como andar de bicicleta sem usar as mãos ou de ponta-cabeça.
Bem diferente seria se, num texto, tu começasses a falar do povo brasileiro e, em seguida, passasses a usar a primeira pessoa do plural, assumindo tua identidade nacional e reforçando tua inclusão: “O povo brasileiro é tratado com inaceitável desprezo pelo capital estrangeiro. Basta! Não aceitamos mais …” — isso traz vários bons efeitos retóricos. Agora, assim de supetão, “o povo brasileiro somos…” — isso é para aqueles discursadores baratos que falam de cima de um caixotinho de querosene Jacaré. Outra solução seria simplesmente reformular tua frase para “Nós, o povo brasileiro, somos…”. Agora sim, o sujeito do verbo é nós, enquanto o povo brasileiro passa a ser apenas um aposto. Também fica bem palatável. Abraço. Prof. Moreno