pagode

Caro Doutor: viajando pela Birmânia com minha família, tive a oportunidade de visitar vários templos budistas que nosso guia chamava de pagodes. Minha filha diz que é daí que veio o nome da música, mas eu defendo que é mera coincidência, já que nosso ritmo nada tem de oriental. O que é que o senhor decide?

Mauro V. — Campinas (SP)

Prezado Mauro: infelizmente, como estudioso da linguagem eu nada posso decidir; posso apenas descrever e, se a sorte me ajudar, posso até entender o que se passa em nosso idioma. No caso do pagode, deves ficar orgulhoso com tua filha, pois ela é quem está com a razão. 
A palavra foi introduzida nas línguas ocidentais pelos nossos avós portugueses, que foram buscá-la em suas andanças pelos portos do Oriente. Como nós a empregamos como uma denominação genérica de templo budista, costumamos associá-la ao Japão ou a China; no entanto, a maioria dos especialistas pensa que ela veio de uma língua da Índia, ou do sânscrito ou do dravídico. Alguns etimologistas delirantes vêem em pagode uma legítima palavra vernácula, derivada de pagão; seria, portanto, um termo depreciativo que os portugueses formaram para denominar todo e qualquer templo não-cristão. Um destes malucos ainda foi mais longe (e por acaso há limites para a loucura?): pagode seria a aglutinação de pagan god (“deus pagão”, em Inglês). Essas hipóteses, no entanto, são destruídas pelo testemunho de inúmeros viajantes ocidentais, que registraram, pessoalmente, o uso da palavra no Sul da Ásia.
Há algo, contudo, nessas teorias que não deve ser desprezado: a antiga animosidade para com as religiões não-cristãs. Na realidade, tanto o pagode, quanto a sinagoga — templos que automaticamente nos evocam o budismo e o judaísmo — adquiriram, já no Português do séc. XVI, o significado secundário de “barulho, confusão” (como na frase “Ele armou o maior pagode“) ou “festa ruidosa, festança popular” (como em “Fomos a um pagode na casa do Dorinho”). Para Houaiss, daí foi um pequeno passo para designar o tipo de samba de partido alto, introduzido no Rio de Janeiro na década de 70. Como vês, foi um longo trajeto da Ásia dos descobrimentos ao morro carioca do final do séc. XX. Abraço. Prof. Moreno
Depois do Acordo: vêem> veem