superstições

Apesar de nos denominarmos de “animais racionais”, nem sempre usamos a razão para analisar o que acontece à nossa volta. Diante de algum fato que não conseguimos explicar, despimos nossa fina casca de civilizados e voltamos a reagir como nosso antepassado das cavernas, que atribuía grande parte dos fenômenos observáveis a alguma potência obscura e invisível que agia nos bastidores do mundo. Mesmo hoje, neste século que assiste a tantos avanços da Ciência, os homens se dividem entre três atitudes diferentes com relação a esses poderes ocultos: ou ele é um crédulo de carteirinha, que pensa que seu time vai perder o jogo se ele for ao estádio com uma camisa diferente da que sempre usou; ou ele é um descrente moderado, daqueles que não acreditam nessas coisas, mas que, por via das dúvidas, se benzem quando vêem um gato preto cruzar na sua frente; ou ele é um cético completo, como Thevenin de St. Leger, o famoso bobo da corte de Charles V, comentando as propriedades mágicas da turquesa, pedra muito valorizada pelos cavaleiros medievais porque se acreditava que ela evitasse quedas do cavalo: “Claro que funciona! Se você cair do alto de uma torre com um anel de turquesa no dedo, pode ter certeza de que ele não vai sofrer dano algum!”.

superstição — Vem de superstitionem (acusativo de superstitio), vocábulo latino cuja origem até hoje é controvertida, embora sejaconsenso de que o elemento super (“acima”) refere-se aos poderes que estão acima dos simples mortais. Para Cícero, o grande orador romano, o termo designa um temor exagerado do homem diante da divindade, idéia compartilhada pelos apóstolos do Cristianismo, que consideravam a superstição uma forma condenável de religiosidade excessiva, tão equivocada quanto o seu oposto, o ateísmo. O crente supersticioso passa a se preocupar com detalhes absolutamente supérfluos, enxergando a intervenção divina em acontecimentos casuais ou em fatos tão sem importância como passar debaixo de uma escada aberta ou sair da cama com o pé errado. 

bruxaria É um derivado de bruxa, cuja origem até hoje não foi determinada com precisão. Embora alguns autores tentem provar que o vocábulo proveio do Latim, o mais provável é que ele já existisse em algum dos dialetos falados na Península Ibérica antes da chegada dos romanos, como foi o caso de bezerro, cama, morro e sarna. Esta hipótese é reforçada pelo fato de só aparecer nas línguas ibéricas (Português bruxa, Espanhol bruja, Catalão bruixa); se viesse do Latim, deveria também estar presente no Francês (que usa sorcière) e no Italiano (que usa strega), que também pertencem à família das línguas românicas. 

sortilégio — Vem do latim sortilegium, composto de sortis (“sorte”) e legere (“ler”). Como se vê, inicialmente o termo indicava aquele tipo de adivinhação em que o sacerdote ou feiticeiro interpreta os padrões formados por objetos jogados ao acaso sobre uma superfície (como búzios, ossos, dados, etc.). Com o avanço do Cristianismo, estas artes divinatórias passaram a ser condenadas pela Igreja, e o vocábulo adquiriu o significado genérico de “feitiço” ou “bruxaria”. Da mesma forma que feitiço, sortilégio é muito usado, em sentido metafórico, para designar o fascínio e o encanto que o enamorado sente pela pessoa amada. 

amuleto Chegou-se a pensar que o vocábulo vinha do Árabe; hoje, no entanto, é praticamente consenso que veio do Latim amuletum, já empregada por Plínio, o Velho, em sua História Natural, publicada em 77 d.C. (embora a etimologia deste vocábulo latino continue indefinida). Em geral, o amuleto é um objeto pequeno, comumente levado no pescoço ou na roupa, ao qual se atribuem virtudes mágicas. Diferentemente do talismã, o amuleto tem uma ação defensiva: protege o seu portador das influências maléficas e das desgraças trazidas pelo mau-olhado. No Brasil, os mais populares são a figa, a pata de coelho e o trevo de quatro folhas.

talismã — Vem de tilasman, plural de tilasm, vocábulo que os árabes foram buscar no grego telesma, “rito religioso; objeto consagrado”. Ao contrário do amuleto, que exerce apenas uma função protetora, o talismã tem poderes ativos, geralmente facilitando a realização dos desejos de seu possuidor. Um exemplo famoso da Mitologia Clássica é o anel de Giges: quando usado com a pedra virada para dentro, seu dono ficava completamente invisível. Bem mais recente é o exemplo da lâmpada de Aladim, uma das histórias mais conhecidas das Mil e Uma Noites.

feitiço — Feitiço, derivado do Latim facticius (“artificial, não-natural”), é um vocábulo muito antigo em nosso idioma, sendo registrado já no séc. XV. Inicialmente significava “postiço, artificial”: chave feitiça era uma chave falsa, e briga feitiça era apenas de faz-de-conta. Logo, no entanto, assumiu o seu significado atual de “malefício de feiticeiro; bruxaria”. Com o avanço português pela costa da África, os nativos adotaram o termo, modificando-lhe a pronúncia para /fetixu/; os franceses, que foram conhecer ali o vocábulo, importaram-no com a forma de fétiche, que foi reimportada por nós no séc. XIX com o sentido de “objeto ao qual se atribui um valor sobrenatural” ou “objeto ou parte do corpo em que certos indivíduos vão buscar excitação erótica” (há fetichistas fixados em sapatos, em roupas íntimas, em pés, etc.). Como sintetiza Celso Pedro Luft, no seu Romance das Palavras: “Era português (feitiço), fez-se africano, afrancesou-se (fétiche) e voltou ao português: fetiche. É o que se chama palavra de torna-viagem“. 

figa — Segundo Nei Lopes, em seu Novo Dicionário Banto do Brasil, poderia ser derivada do suaíle fingo, “amuleto”; contudo, ele ão descarta a hipótese contrária, isto é, de se tratar de vocábulo português que ingressou no idioma africano — o que parece ser mais provável. Embora este seja um dos amuletos preferidos pelos seguidores das religiões afro-brasileiras, já era conhecido na pré-história européia. O vocábulo figa vem do Latim fica e aparece também no francês e no espanhol (figue e higa, respectivamente); trata-se, portanto, de uma contribuição do nosso idioma às línguas daqueles povos africanos com que Portugal manteve contato, antes mesmo de descobrir o Brasil. O que muitos não sabem é que a figa sempre teve um evidente conteúdo fálico, em que o polegar representa o membro masculino entre os lábios da vulva feminina; o poder contra o mau-olhado atribuído a este amuleto deriva exatamente da crença primitiva de que o sexo e a fertilidade são forças do bem.

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